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sexta-feira, 24 de abril de 2009

Crise produz derrotas e triunfos na volta de dekasseguis ao Brasil

Impacto da crise econômica no Japão aumenta retorno de brasileiros.
Criar negócio se torna a opção mais atraente para quem volta.

A crise econômica que sacode a economia mundial está forçando o retorno ao país dos brasileiros que foram trabalhar no Japão em busca de um salário mais elevado – os chamados dekasseguis.

Segundo entidades que trabalham com dekasseguis, só cresce o número de pessoas que decidem voltar ao Brasil após perder o emprego em terras nipônicas.

“A demanda aumentou em pelo menos 600% frente ao ano passado”, afirma Renato Shigeru, da consultoria Reduplan, que trabalha com a readaptação dos trabalhadores ao Brasil.

Impacto

Existem cerca de 1,4 milhão de descendentes japoneses no Brasil, segundo a Associação Brasileira de Dekasseguis (ABD). Excetuado o estado de São Paulo, a maior parte desse contingente está localizada no Paraná, concentrada na região Norte do estado, nas cidades de Londrina, Maringá e Assaí.

Foto: Marcelo Cabral/G1

Nilo Kato: servindo doces ao príncipe herdeiro.

O G1 visitou essas cidades para conhecer o impacto provocado pela volta dos dekasseguis à rotina econômica e social das localidades e das famílias de moradores. Esta é a primeira de uma série de reportagens que, de hoje a segunda-feira, vão abordar diversos aspectos desse processo de retorno.

Segundo Cláudio Suzuki, presidente do Instituto Tomodati de Maringá, normalmente, o dekassegui que consegue trazer algum dinheiro do Japão busca abrir um negócio próprio. Já quem volta sem nada procura conseguir um emprego ou presta um concurso público. Mas a falta de recursos pode ser particularmente difícil para quem retorna.

“Se a pessoa busca um emprego, ela está há anos sem experiência, muitas vezes sem uma grande educação formal. Só vai conseguir um emprego mal-remunerado de R$ 500 ou R$ 600 para alimentar a família. Assim, empreender se torna quase uma exigência”, analisa Shigeru. Ao longo desse caminho, muitos conseguem a almejada vitória – mas uma parcela também não obtém sucesso.

Doceria real

Nilo Kato é um exemplo de dekassegui que conseguiu reconstruir a vida em Londrina após voltar do Japão, onde viveu por 15 anos. Ao voltar, ele começou a gerir uma borracharia ao lado do sogro. A experiência, diz ele, foi “um choque enorme”, devido às diferenças no ambiente de negócios entre Brasil e Japão.

Foto: Marcelo Cabral/G1

O casal Carlos e Cíntia: proposta 'caiu do céu'.

“Aqui, eu vendia pneu careca por um valor até alto. Lá, eu jogava no lixo pneus praticamente novos. Eu ganhava gorjetas de R$ 1 por aqui e tinha vontade de chorar, pois eu sempre dava antes gorjetas de US$ 10 no Japão. Foi um período muito difícil, mas aprendi a revalorizar muita coisa”, afirma.

Ele resolveu mudar de ramo porque o negócio da borracharia rendia muito pouco. Surgiu então a idéia de abrir uma confeitaria, porque já no Japão, nos finais de semana, Nilo e a esposa atendiam encomendas de doces para festas de aniversários de brasileiros no país.

“O investimento inicial foi de cerca de R$ 50 mil. Mas o começo foi mais difícil do que eu imaginava. Onde encontrar fornecedores? Como montar uma planilha de custos?”, explica.

Ele procurou então o Sebrae paranaense, onde fez uma série de cursos de aperfeiçoamento. O resultado não demorou a aparecer. A confeitaria foi escolhida para fazer as sobremesas que o príncipe herdeiro japonês saboreou durante sua passagem pela região no ano passado, em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa para o Brasil.

“Foi uma coroação”, diz Nilo. “No Japão, quando se recebe um favor, retorna-se. Aqui, tive a oportunidade de dizer um muito obrigado simbólico aos japoneses”, afirma.

Hoje, a confeitaria possui 15 funcionários e está ampliando a loja. “Recebemos propostas para franquear a marca, mas ainda não me sinto preparado. Estou fazendo uma série de cursos sobre a área, e quero contratar assessorias e empresas para gerenciarem esse processo. Quando acontecer, quero que seja um processo muito bem realizado”, diz Nilo.

Cláudio Akiaha: nova chance no Brasil.

Ele aconselha os brasileiros que retornam: “Dê um tempo. Se acostume com a situação no Brasil. Não se afobe. A gente aprendeu muita coisa sobre o método de trabalho adotado no Japão, podemos usar isso aqui. Eu mesmo usei a agilidade e a rapidez que aprendi por lá para fazer bolos aqui na loja”.

Fuga da crise

Quem também conseguiu um negócio bem-sucedido no Brasil foi o casal Carlos e Cíntia, que preferiram não revelar o sobrenome. Eles voltaram ao país natal em dezembro de 2008, com medo da crise.

“Ficamos assustados com a situação no final do ano. Havia muita gente desabrigada que era obrigada a acampar no frio, porque tinham perdido as casas. Outros dormiam dentro do próprio carro ou então em igrejas”, relata Cíntia.

Quando voltaram ao Brasil, eles receberam uma proposta para assumir um restaurante em Londrina. “A proposta caiu do céu porque o setor de alimentação nunca para, mesmo com a crise. O risco é menor”, diz ele.

No entanto, o negócio não impede que Carlos critique o sistema brasileiro. “Aqui, nada funciona. Tem muita burocracia e falta pontualidade. Temos um alvará emperrado porque a imobiliária quer um fiador com renda mensal de pelo menos R$ 15 mil”, diz.

Foto: Marcelo Cabral/G1

Alexandre (dir.) e Adriana Arasaki (centro), junto com marido e mulher: sonhos ficaram para trás.

Ele vai além: “também a qualidade dos funcionários não é a mesma que lá. A gente pode repetir dez vezes: ligue o exaustor quando for fritar para evitar a fumaça, mas não adianta. Sempre fica desligado e enche o restaurante de fumaça”, afirma.

Nova chance

Já Cláudio Massamitsu Akiaha, de Maringá, vê no recente retorno, no final do ano passado, uma nova oportunidade de sucesso. Elei foi para o Japão com 17 anos, voltou em 2001 e tentou abrir um bar. Resultado: fracasso e perda de dinheiro. “Foi uma aventura. Não tinha experiência e preparação nenhuma, aprendi na dor”, reconhece.

No novo retorno, mais recente, passou a trabalhar em uma gráfica com o irmão assim que chegou ao país. Ele jura que desta vez o futuro será diferente, pois fez alguns cursos de preparação. Mesmo assim, admite que se tivesse tido mais calma e esperado um pouco antes de iniciar o negócio, poderia “ter evitados alguns errinhos que cometi nesta nova oportunidade”.

Acabou o Japão

Mas nem todos os brasileiros que estão voltando do Japão conseguem retomar a vida logo de cara. Um exemplo é o dentista Alexandre Arasaki, morador de Londrina. Ele foi a terceira pessoa da família a tentar ganhar a vida no país, após a ida ao oriente de suas irmãs Adriana e Andréia.

Foto: Marcelo Cabral/G1

Leila Kikuti e a filha: redução de jornada e salário.

Ele e a mulher traçaram uma lista de objetivos: conseguir um apartamento e dinheiro para um consultório odontológico para ele e um curso de especialização para ela.

Mas as horas que eles trabalhavam na fabricação de microprocessadores foram minguando, e começaram os rumores de corte. No início, eles tentaram ignorar os boatos, pois a empresa onde estavam era até então considerada sólida. “A gente pensou na época: essa empresa não vai cair. Se cair, acabou o Japão”, descreve ele.

Mas os cortes vieram. Alexandre acabou demitido, no início de dezembro. A empresa, que possuía 158 brasileiros, ficou sem nenhum funcionário originário do país.

“O corte tirou o chão da gente. Nós tínhamos sonhos por lá, que tivemos que deixar para trás. Você está no meio do caminho e tem que deixar tudo aquilo”, diz ele. Sem emprego, Alexandre e a esposa retornaram ao Brasil em janeiro, onde buscam novas colocações.

Os irmãos dele também relatam sentir pressões da família pelo sucesso no exterior. “Algumas pessoas da família cobram muito. Não falam diretamente, mas é como se dissessem ‘você vai voltar assim, desempregado? Não é fácil enfrentar essa situação’, explica Adriana.

Quebrando a cara

Quem também ainda está tentando reconstruir a vida no Brasil é Leila Kikuti. No Japão, ela diz que os sinais da crise começaram a se acumular em novembro.

“Primeiro acabaram com as horas extras do meu marido. Depois, a jornada e o salário foram sendo reduzidos, até chegar a três horas por dia. Mas as contas se mantinham no mesmo nível”, diz.

Segundo ela, começou a ficar complicado pensar no próximo mês. “Chegou a um ponto onde não havia mais recursos para o próximo mês. E lá, se não tiver dinheiro, passa fome mesmo”.

O marido finalmente foi dispensado em fevereiro. Com o resto do dinheiro, ela voltou com os dois filhos ao Brasil, onde está na casa dos pais, esperando o retorno do marido e a chance de recomeçar.

Segundo Leila, “muita gente não se preocupou com a possibilidade de uma crise no Japão. Fizeram dívidas, compraram casa, carro, não tinham uma reserva. A gente pensava: ‘imagina que o Japão vai passar por isso’. Quem fez isso, quebrou a cara”.

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