Quais são as razões da sua visita ao Brasil? E o que o senhor espera dela?
Shimon Peres - "Espero (aprender) e ver se conseguimos melhorar e enriquecer as relações entre Israel e o Brasil. Sobre aprender, quando penso no Brasil, penso nas seguintes coisas que me impressionam: talvez o Brasil seja o primeiro país do mundo que decidiu enfatizar as questões sociais, acima de considerações econômicas. O Brasil acredita que a economia deve ajudar a sociedade, não o contrário. Não haveria nada sensacional nisso, se não houvesse sido conquistado. As grandes conquistas do Brasil foram, antes de tudo, sociais, e não econômicas. O segundo fator é a tremenda tolerância do povo brasileiro. O Brasil é o primeiro país que desconhece a discriminação racial. Gente das mais diversas origens vive unida. Não é uma proposta simples, porque Lula enfrenta vários problemas, como a corrupção, falta de disciplina. Então, quero ver as mudanças que houve no país, os programas contra a pobreza e também as políticas de incentivo ao etanol. Acho que temos muito a aprender com o Brasil. O Brasil decolou de forma impressionante no domínio da ciência e tecnologia. Mas também vou ao Brasil para ver as inacreditáveis belezas do Rio de Janeiro.
O senhor também vai ao Maracanã?
Peres – Sim. Mas o Brasil não é só entretenimento. O Brasil é uma "new declaration" sobre política, economia e questões sociais. Bom, acho que um homem jovem como eu (risos), que pretende frequentar a escola, pensa em aprender algo (do Brasil). Quero ver como são as coisas em sua realidade. Acho que podemos aprofundar nossa boa relação com o Brasil. Além disso, há a comunidade judaica no Brasil, com a qual pretendo me encontrar.
E o que Israel pode ensinar ao Brasil?
Peres – Como ser pequeno (risos). Mas acho que não sei (o que ensinar). Falei brincando. O Brasil não tem um território pequeno, sem água, sem petróleo. Talvez possamos dizer como nós avançamos. Não vivemos do nosso tamanho, mas do nosso cérebro. Pode interessar ao Brasil saber como desenvolvemos a agricultura sem terra e água. Somos o primeiro país do mundo que tem uma agricultura baseada na alta tecnologia.
Quais são as expectativas de Israel em relação ao papel diplomático do Brasil no Oriente Médio?
Peres – Vocês sabem bem que a diplomacia, assim como a economia, está ficando cada vez mais global. Nenhum país pode mais viver isolado. Mas ainda não se pensa na paz como uma questão global. Para fazer a paz no Oriente Médio é preciso reduzir as ameaças num plano global e aumentar o apoio a soluções pacíficas. Gostaria muito de ver o Brasil participando.
Logo após sua visita, o Brasil vai receber o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, um homem que nega o Holocausto e diz querer destruir Israel. Como o senhor vê essa proximidade entre Ahmadinejad e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Peres – Vou visitar o Brasil, e não debater com Ahmadinejad. Acredito que Lula seja um homem com valores, que (condenaria).uma tentativa de destruir um outro país de introduzir o terror, como houve este caso agora do navio abordado pela Marinha israelense cheio de armas, vindas do Irã para abastecer terroristas. Mas eu, particularmente, não vou abordar esse assunto no Brasil.
O senhor não vai tocar nesse assunto e transmitir sua mensagem a Lula sobre essa questão?
Peres – Eu certamente farei isso em conversa privada, mas não acho que seja apropriado ir a um país e falar de outro. Bom posso fazer isso privadamente, mas não em público.
O Brasil alega que receber Ahmadinejad pode ser uma forma de facilitar as negociações sobre o programa nuclear iraniano. O senhor considera um argumento válido?
Peres – Acho que devo ouvir atentamente qualquer um que se oferece a ajudar, por que não? Os iranianos não são nossos inimigos. Os árabes não são nossos inimigos tampouco. Os muçulmanos não são nossos inimigos. Nossos inimigos são a guerra, a ameaça, o terror, a destruição. Eu não vou brigar com o povo iraniano no Brasil. Sobre o presidente iraniano, todo mundo sabe há anos qual a sua posição. Acredito que não se pode esperar muita civilidade de alguém que prega a destruição de Israel, que nega o Holocausto e que ele fornece armas para o terror. Mas não gostaria que nossa atitude em relação ao governo do Brasil criasse a impressão de que estamos brigando com o o povo iraniano.
Como o sr. avalia a relação de Israel com a América Latina (a Venezuela e a Bolívia não mantêm relações diplomáticas com os israelenses)?
Peres – Tem seus altos e baixos. A América Latina desempenhou um papel muito construtvo na construção de Israel, como o presidente da Assembléia-Geral que decidiu sobre Israel (o brasileiro Osvaldo Aranha, em 1947). A relação em geral foi muito calorosa. Mas esses altos e baixos na América Latina propriamente dita. A América Latina libertou-se de ditaduras militares. Em termos gerais, a maioria dos países dessa região empenhou-se em se tornar democracias econômicas. Agora esperam ser democracias políticas também. Há algumas exceções. Chávez, por exemplo: muito petróleo e autocontrole insuficiente. Eu gosto de algumas comentários dele, como que não se deve cantar no chuveiro (risos). Ele disse que a jacuzzi vai contra o comunismo. O que ele quer dizer, claro, é que não devemos gastar água. Não tenho nada contra isso.
Mas que tipo de controle deveria ser aplicado a Chávez?
Peres – Olhe, um homem que decide que é o líder supremo para o resto da vida. Que sai por aí fazendo alianças, por exemplo, com o Irã. Que condena Israel. Por quê? Para quê? O que fez Israel à Venezuela? Tínhamos uma tradição de excelentes relações com a Venezuela. O povo venezuelano é um grande povo. Eu me pergunto como se pode injetar extremismo nas veias do povo venezuelano, mas esse é o efeito. Ele é um líder muito particular, que governa o país pela televisão. O que é interessante, devo dizer.
Mas há um crescente discurso antissemita na América Latina. Recentemente, um radialista de Honduras perguntou, ao vivo, se Adolf Hitler não estava certo por querer "acabar com essa raça" (de judeus)? Isso não o preocupa?
Peres – Fico surpreso de sermos alvo (de hostilidade) até em Honduras. Pergunte a um israelense se sabe quem é o presidente de Honduras. Fiquei surpreso de ouvir isso. Não é problema nosso. Mas como um homem honrado, devo dizer que o ódio não tem futuro (no mundo).
Entre a sua visita e a de Ahmadinejad, Lula vai receber também o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Como o senhor vê essa relação do Brasil com os palestinos?
Peres – Os árabes não são nossos inimigos. E se o Brasil tem boas relações com eles, também queremos ter. Se Abbas for amigo do Brasil e o Brasil for amigo de Abbas, por que não?
Mas Lula já foi à Síria, ao Líbano e a outros países do Oriente Médio, mas não veio a Israel...
Peres – Espero que ele encontre interesse e tempo. É como eu digo: se a montanha não vem a Maomé... Ele tem sua agenda e suas prioridades, não tenho que lhe dar lições. Nós o consideramos um amigo. Nós nos conhecemos há muito tempo. Começamos na mesma trilha socialista, então posso dizer que lembro dele "desde a "infância". Ele tem seu próprio jeito de priorizar as coisas. Claramente eu devo convidá-lo.
Qual é o nível de preocupação de Israel com a crescente penetração do Irã e do Hizbollah na América Latina?
Peres – Não houve interferência iraniana na América Latina. Veja a Argentina. Eles explodiram uma bomba no Centro Judaico e mataram centenas de pessoas. E você acha que a Argentina queria isso? Quem quer uma interferência com bombas? Quem quer uma intervenção do terrorismo? Uma intervenção de ódio? A maioria dos povos latino-americanos é pacifista. E a lei deles é como a nossa, a lei da amizade, da paz, do respeito humano. Não acredito que isso vá mudar. O Irã está afastado dessa mensagem. Essa intervenção do Irã não vai durar mais que a própria permanência do presidente atual. Qual é a mensagem deles? Querem dominar o resto do mundo? Isso é mensagem? O chamado "sistema presidencialista iraniano" não vai durar para sempre, pois eles não têm nada a oferecer ao resto da humanidade, nem sequer para seu próprio povo. Mas eles têm essa tremenda ambição de dominar, de bancar os super-homens. Não aceitamos isso e não acreditamos que a América do Sul aceitará isso.
Se o regime de Ahmadinejad permanecer por mais tempo e as negociações com Teerã fracassarem, está na mesa a hipótese de Israel atacar o Irã?
Peres – Israel não tem intenção de monopolizar o problema do Irã. Esse é um problema para o mundo. Temos que seguir a liderança do mundo. Em segundo lugar, não gostaria de falar várias línguas ao mesmo tempo. Não colocaria a opção militar acima de tudo. Tudo que puder ser feito pacífica, política, econômica e psicologicamente deve ser feito. Não somos os líderes do mundo. Já conversei com muitos líderes mundiais - Medvedev, Putin, não só Obama, Sarkozy ou Brown - e todos me disseram estar empenhados em evitar uma bomba nuclear iraniana.
O relatório Goldstone (documento feito por Richard Goldstone para as Nações Unidas sobre o conflito entre Israel e os palestinos na Faixa de Gaza, no início deste ano) acusa Israel de haver cometido crimes de guerra, e o governo israelense diz que é um documento distorcido. Israel está elaborando uma investigação própria para dizer o que é verdade ou não nesse relatório?
Peres – Israel faz investigações internas em todas as guerras. Não houve uma única guerra em que não tenhamos investigado atos criminosos ou coisas assim. Na maior parte das guerras investigamos a nós mesmos. E as conclusões foram muito duras: ministros foram demitidos, generais foram afastados... Não somos morais por causa daquilo que o mundo pensa de nós. Somos morais porque esse é um pressuposto básico. Não achamos que Ahmadinejad ou Kadafi ou outros devam ser nossos juízes. Por que precisamos de seus julgamentos? Investigamos cem casos de acusações. Cada acusação foi julgada cuidadosamente.
O senhor poderia descrever alguma dessas acusações?
Peres – Um soldado ter atirado quando não deveria ter atirado, por exemplo. Mas o problema da luta contra o terrorismo é altamente complicado. Começa pela questão que os terroristas não respeitam leis. Como um país sob o império da lei lutar contra uma organização sem lei? Uma das coisas mais cínicas é "Por que mortas mais crianças palestinas que israelenses?". Sabe por quê? Porque protegemos nossas crianças. E eles usam suas crianças para se proteger. Nós construímos abrigos para crianças. E eles usam crianças como escudo. O criminoso, então, é o terrorista, e não aquele que quer lutar contra o terrorismo. Infelizmente, em toda guerra, inocentes são mortos. Acusam a nós, mas no Kosovo, por exemplo, centenas de inocentes foram mortos. Houve alguma comissão de investigação? Não quero mencionar o Iraque, nem o Afeganistão, olhe em torno. O único crime que Israel cometeu foi não ter maioria nas Nações Unidas. Há uma maioria constituída contra Israel na ONU, então não temos qualquer chance. Se combinarmos o bloco árabe e muçulmano e o bloco não-alinhado, não temos chance. No comitê de direitos humanos, de 20 questões em debate, dez eram sobre Israel. Israel lhes parece um país que desrespeita os direitos humanos? Nonsense. Quem são nossos juízes? Os iranianos? Os afegãos? Os líbios? Não sei, por exemplo, de discriminação contra a mulher em Israel. A maior parte de nossos juízes discrimina suas próprias mulheres. Que direitos humanos são esses? O primeiro direito humano é o direito a permanecer vivo. Temos direito de permanecer vivos. Fomos atacados nove vezes. Alguma vez investigou-se por que fomos atacados? Por oito anos lançaram foguetes contra nós. Alguém pediu investigação? Ahmadinejad pediu a destruição de Israel. É contra a Carta da ONU. Ele foi investigado? Não aceitamos isso. Devemos manter nosso exército em bases morais, porque queremos ser um país moral. Nós não odiamos árabes. A vida de uma criança árabe é tão importante para mim quanto a de qualquer criança. Não quero ser cabotino, mas no Centro Peres pela Paz (ONG criada por Peres em 1996) recebemos crianças palestinas doentes ou feridas e nos propusemos a curar todas. Nos últimos seis anos, já curamos mais de 6 mil crianças palestinas e as devolvemos a suas mães. Isso quer dizer que odiamos crianças, que queremos vê-las morrer? Não damos publicidade a isso, porque não queremos que digam que é pela publicidade. Mas continua todo ano, e tem um custo, mas não importa.
Mas divulgar isso não seria uma forma de melhorar a imagem de Israel?
Peres – Aí iam dizer que fazemos isso por propaganda. Não fazemos isso para receber aplausos. Não precisamos de aplausos. Tanto quanto não precisamos de julgamentos. Nenhum país do mundo foi atacado nove vezes em 61 anos de existência. Na Intifada, onde estavam todos? Onde estavam os (defensores dos) direitos humanos quando fomos atacados pelo Hamas? Alguém pediu que parassem? Alguém tentou pará-los? Se eles não tivessem atirado, não teríamos respondido. Depois que nós nos retiramos completamente de Gaza - sem soldados, sem assentamentos, sem civis, e usamos a força para retirá-los, vocês viram na TV -, por que os bombardeios? Não era terra ocupada, não estávamos lá. Por que o mundo silenciou sobre isso? Há uma questão aí. O fato de estarmos sozinhos é muito incômodo. Mas não nos tira a base moral.
O Brasil, de certa forma, é um ator novo na cena internacional. Apesar das boas relações com Israel, o Brasil costuma votar contra Israel nas Nações Unidas. Como explicar isso?
Peres – Não cabe a mim explicar isso. Eles que deveriam se explicar.
Mas qual é o seu sentimento?
Peres – Que é um erro de julgamento. Talvez o Brasil deva ter uma oportunidade de se explicar, da mesma forma que estou explicando a vocês. Eu não condenaria ninguém, mas é claro que debateria com qualquer um. O que eles querem, com (o relatório) Goldstone, é tornar-se nossos juízes. Eu digo: muito obrigado, mas já temos juízes. Goldstone não deveria ter assumido essa tarefa, porque o comitê de investigação tinha uma maioria anti-Israel a priori. Se os juízes não são objetivos, não podem ser juízes. O mandato era antiisraelense, pois falava em investigar os "crimes de Israel" em Gaza. Não houve crime. Nas 26 recomendações que emitiram, não há uma sequer dirigida ao terrorismo. Meu Deus, que tipo de julgamento é este? Só porque não temos maioria na ONU?
O senhor não acha que Israel tem um problema de imagem externa? As conclusões do Relatório Goldstone foram endossadas por muitos países, entre eles o Brasil.
Peres – Sabemos que há um problema de imagem com todo país que enfrenta o terrorismo. Porque os atos terroristas não são fotografados. Quando um terrorista entra e mata alguém, ele não leva jornalistas consigo. Você não vê. Quando explodem um ônibus, não levam câmeras. O que se fotografa é a reação, não a iniciativa. Por isso sempre se chega à conclusão errada: "Por que Israel está bombardeando?" Somos malucos? Acordamos de manhã e soltamos uma bomba? As razões disso não são mostradas. Então, concordo que há um problema de imagem.
O senhor culpa a mídia?
Peres – Não culpo ninguém. A única pessoa a quem posso culpar sou eu mesmo. Não sou um pastor. Não sou um professor do mundo. O máximo que um homem como eu deve fazer, estou fazendo: fazer tudo para ser leal consigo mesmo, com seus valores. Israel não é uma empresa de relações públicas. A opinião pública não pode julgar, não quero culpá-la. Havia um slogan que dizia: "Land for peace" ("Terra em troca da paz"). Restituímos toda a terra, toda a água ao Egito, à Jordânia, ao Líbano. Devolveram-nos a paz? Saímos de Gaza. Dissemos aos palestinos que podiam fazer o que quisessem. Ninguém se interessa.
O senhor acha que a retirada de Gaza foi um erro?
Peres – Não. Nós o fizemos, digo mais uma vez, porque não queríamos conquistar Gaza. Não é uma questão de relações públicas, entenda, é um fundamento moral. Decidimos não ficar em Gaza. E foi um homem que veio da extrema direita, Ariel Sharon, que fez isso. Parabéns!
E a Cisjordânia? Israel quer permanecer lá?
Peres – Não. Dissemos. O que resta de discordância na Cisjordânia representa talvez 3% ou 4% de todo o território. Porque houve muitos atos terroristas, construímos assentamentos, e porque as coisas mudaram muito nos últimos 40 anos - no começo, eles se recusavam a negociar. Mesmo agora, meu Deus, se a diferença é de 3% ou 4%, vamos tentar, é possível negociar. Não devemos rejeitar. É um pouco desagradável para mim dizer isso, mas... veja: a Cisjordânia foi da Jordânia. Eles a entregaram aos palestinos? Gaza foi dos egípcios. Eles a deram aos palestinos? Quem ofereceu terra aos palestinos foi Israel, não esqueça. Eles dizem "devolvam nossa terra", mas nunca houve um estado palestino, então a terra nunca foi deles. Apesar disso, e apesar do fato que parte do povo palestino - o Hamas - é um grupo terrorista, em relação à Cisjordânia queremos ter certeza de que não vai se repetir o que aconteceu em Gaza: saímos e começaram a atirar. Temos direito a defender nossas vidas. É, também, uma causa moral.
Os aliados de Israel, inclusive os Estados Unidos, não conseguem entender como o governo se diz pronto para conversas de paz e ao mesmo tempo não aceita discutir o congelamento dos assentamentos na Cisjordânia. Também é um problema de imagem.
Peres – Você ouviu Hillary? Deixe a imagem de lado. Não somos uma empresa de relações públicas. Hillary (Clinton, secretária americana de Estado, que visitou Jerusalém na semana passada), disse que avançamos muito. Há centenas de assentamentos judeus na Cisjordânia, onde as pessoas ergueram suas casas, construíram suas vidas. Não é simples removê-las. São seres humanos. Não é uma coisa mecânica (retirá-los), como mover peças num jogo de xadrez.
O senhor acha que Israel errou na época em que iniciou a construção de assentamentos na Cisjordânia? – Não. Eu perdi eleições (para primeiro-ministro) porque, sempre quando falava no processo de paz, vinha um ataque.
O assassinato de Yithzhak Rabin (ex-premiê israelense, morto em 4 de novembro de 1996) está fazendo 14 anos. O senhor fez uma referência a eleições, e naquela época estava disputando...
Peres – Eu tinha uma vantagem de 20 pontos. Então houve houve aquilo em Jerusalém. Nunca vou esquecer esse dia. Eram sete da manhã, eu estava a caminho do meu escritório. Então minha segurança informou que houvera uma bomba em Jerusalém. Fui ao local, a essa grande praça de Jerusalém. A praça inteira estava vermelha de sangue e pedaços de corpos. Havia milhares de pessoas em volta, começaram a gritar: "Assassino! Matador! Traidor! Olhe o que você fez conosco, com sua paz!" No dia seguinte, o mesmo em Tel Aviv. Um dia depois, de novo em Jerusalém.
O senhor teve medo também?
Peres – Medo, não. Eu sabia que tinha perdido as eleições. Quando você lê nos jornais, é só uma reportagem. Quando você se defronta com isso, é outra história.
Como o assassinato de Rabin mudou Israel?
Peres – Houve uma interrupção, sim, e o processo foi adiado. Mas hoje mais pessoas estão envolvidas n Até a direita aceita a solução de dois estados, o que não ocorria antes. É uma mudança.
O que o sr. vai dizer ao presidente Lula em relação ao processo de paz?
Peres – O que eu disse. Que Israel está pronta para a paz, que mostrou em quatro ocasiões. Devolvemos a terra, devolvemos a água... agora queremos ter certeza de que teremos paz e segurança. É uma reivindicação legítima. Não tenho duas mensagens, apenas uma.
O presidente Obama criticou o tratamento dos palestinos por Israel . Qual é sua avaliação a respeito dele?
Peres – Espero que ele tenha êxito. Não considero os muçulmanos nossos inimigos. Não combatemos sua religião, não combatemos seu povo, não combatemos uma ideia. O que estamos tentando é defender nossas vidas. Acho que os israelenses que têm acompanhado as posições de Obama mudarão de idéia. A amizade entre Israel e os Estados Unidos é profunda e permanente. Pessoalmente, considero Obama um amigo de Israel. Acho que cada vez mais pessoas vão se dar conta disso. Ele mereceu o prêmio Nobel. Ele introduziu uma era de esperança e otimismo. É um feito político, e ele o alcançou brilhantemente no começo. Agora, está enfrentando controvérsias que existem.
Uma conseqüência das expectativas?
Peres – Não quero tirar conclusões apressadas. Quando eu era uma criança, como vocês (risos), eu achava que no mundo havia homens bons e homens maus, reis bons e reis ruins. Quando me tornei adulto, descobri que infelizmente o bem e o mal vêm juntos. E é muito difícil separar os dois. As escolhas não são fáceis, porque os dois não vêm separados. Se presidentes, reis e primeiros-ministros tivessem nas cartas o bem e omal, todos escolheriam o bem. Mas as escolhas na mesa estão misturadas, e é muito difícil tomar decisões. Nessas circunstâncias, o menos errado está certo.
O sr. se tornou popular em Israel. Até apresentou um talk show. Como o sr. se sente?
Peres – A maior parte da minha vida eu fui polêmico. Agora eu sou popular. Não sei qual dos dois é melhor (risos). Nunca me impressionei com as pesquisas, nem antes nem agora. Pesquisas são como perfume - bons de cheirar, mas perigosos de engolir (risos). Então eu as uso depois de fazer a barba (risos).