Ele ajuda a salvar empresas, recuperar a reputação de pessoas e desmentir fatos que nunca aconteceram. Professor de psicologia do Rochester Institute of Technology de Nova York, o americano Nicholas DiFonzo estuda boatos há 16 anos. No livro O poder dos boatos, que acaba de ser lançado no Brasil, o acadêmico explica como nascem e morrem os rumores e suas implicações decisivas nos negócios, na política e na vida social. Por seu conhecimento na área, Nicholas DiFonzo foi chamado pelos serviços secretos americanos, a CIA e o FBI, para tentar derrubar com uma rede de boatos o terrorista Osama Bin Laden. Nesta entrevista, ele também fala sobre como as ideias preconcebidas afetaram a eleição do presidente americano, Barack Obama.
ENTREVISTA - NICHOLAS DIFONZO |
QUEM É Nicholas DiFonzo é americano, casado, tem 49 anos e três filhos. Mora em Rochester, Nova York O QUE FEZ Ph.D. em psicologia social, leciona no Rochester Institute of Technology, em Nova York O QUE PUBLICOU O poder dos boatos (Ed. Elsevier). É coautor com Prashant Nordia de Rumor psychology |
Nicholas DiFonzo – Isso aconteceu há alguns anos, quando fui pedir patrocínio para minhas pesquisas. Era frustrante para os serviços secretos ver Osama Bin Laden como líder popular nos países muçulmanos. Não porque ele mata pessoas, mas porque resiste aos Estados Unidos. A CIA e o FBI estavam tentando reduzir o poder de Bin Laden e uma das formas cogitadas foi por meio dos rumores. Então eles me perguntaram se eu poderia espalhar um rumor de que ele era cristão. Expliquei que isso não fazia sentido porque o boato precisa ser plausível para se acreditar nele. Se houvesse uma facção muçulmana que já falasse isso, talvez fosse mais fácil.
DiFonzo - É um instinto natural do ser humano para tentar entender o mundo, eventos, pessoas, tudo o que possamos compreender. A compreensão é um desejo humano. As pessoas não gostam quando as coisas não estão claras e não fazem sentido. Elas gostam da ordem e das explicações para diferentes situações. O boato também é uma forma alternativa de informação. É uma maneira oficiosa de checar as informações oficiais. Isso acontece com os meios jornalísticos. Ao menos nos Estados Unidos, uma grande parte da população não dá crédito à mídia, então há espaço para os rumores circularem.
DiFonzo - Exatamente. No livro, eu falo de uma tentativa de entender um acidente em que morreram cinco mulheres. Os pais precisavam ser confortados, e uma das maneiras de isso acontecer foi um boato de que alguém estava perseguindo essas mulheres. Se compreendermos as razões das coisas ruins, teremos conforto.
DiFonzo - Vamos supor que haja uma conversa informal num grupo de pessoas. Parte dessa conversa pode ser apenas puro rumor e outra pura fofoca. Rumor em sua essência acontece dentro de certas circunstâncias. Por exemplo, eu ouvi alguém dizer que sua área na empresa será extinta; isso é um rumor. A fofoca seria mais relacionada a uma pessoa ou a algo sobre o mundo da diversão; algo tipicamente social. O rumor é também uma atividade coletiva de um grupo tentando fazer com que um acontecimento faça sentido, tenha uma explicação.
DiFonzo - Essa é uma boa questão. Houve uma preocupação com a gripe suína porque as pessoas se tornaram ansiosas em saber como ela se espalhava. Os rumores são bons se fazem com que as pessoas tomem as devidas precauções e maléficos se impedem as pessoas de se precaver. No avião, outro dia, sentei-me entre um veterinário e um oftalmologista. E comentei com eles: todo mundo está me dizendo para não cumprimentar as pessoas dando as mãos. O médico então afirmou: mas a gripe se pega pelo ar. Se eu acreditar nesse rumor sobre as mãos, não usar máscaras e a doença for extremamente contagiosa, isso poderia ser muito ruim para mim. Alguns rumores na África sobre como se pega aids causaram um grande problema. Sabemos que uma das maneiras de contrair o HIV é pela atividade sexual.
DiFonzo - Por diversas razões. A primeira delas é porque tendem a concordar com opiniões e atitudes preconcebidas. O boato precisa soar plausível para as pessoas, ou seja, estar de acordo com posições que elas já têm. A segunda razão é quando se escuta repetidamente o mesmo boato, então isso aumenta consideravelmente a chance de se acreditar nele. A terceira é a fonte, que deve ser confiável, algum especialista, por exemplo, gente que entende do assunto. A quarta é se o rumor não for negado. Por isso, digo sempre que é melhor negar um boato que ignorá-lo.
DiFonzo - Algumas empresas me chamam para ser consultor quando querem impedir que um grande boato arruíne sua credibilidade. Eu tento reverter o curso do boato. Certa vez, uma faculdade me chamou, e eu recomendei a eles manterem seus funcionários informados sobre tudo o que acontecia nos bastidores. O moral dessa faculdade estava muito baixo, e os funcionários estavam desanimados. Eles especulavam que a faculdade iria fechar. Disse a eles para informar os funcionários sobre o que estava acontecendo.
DiFonzo - Além da informação, é preciso dizer a verdade. Há espaço para a desconfiança quando não se diz a verdade e cria-se um ambiente para que o boato se espalhe. As pessoas ficam tentando entender o que está se passando e, se você não disser a verdade, elas vão concluir por elas mesmas. É quando o rumor surge. Eu fui testemunha nos tribunais de um caso da Procter & Gamble Corporation em que falsos rumores se espalharam dizendo que a empresa fazia doações para uma Igreja de Satã (um funcionário disse isso em um programa popular de televisão nos EUA). O boato era falso, mas causou muita dor de cabeça. No final, a empresa ganhou a causa.
DiFonzo - Parte do sucesso da internet, das mensagens de texto nos celulares se deve ao fato de as pessoas acreditarem cada vez menos nos canais formais. No caso das eleições da Espanha, quando o governo mentiu sobre os atentados de Madri (o então presidente e candidato Jose Aznar atribuiu o ato da Al Qaeda aos separatistas bascos), incendiaram ainda mais a boataria.
DiFonzo - Essa é uma das questões mais difíceis que me fazem. Depois que o dano está feito, é possível processar a empresa ou a pessoa responsável pelo boato, pedindo retratação. Mas o pior é quando a fofoca atinge um funcionário, quando se diz, por exemplo, que ele está tendo um caso com fulana. Essas situações são as mais difíceis de ser administradas porque não é apropriado alguém sair pela empresa dizendo “não sou amante de fulana”. Eu aconselho sempre juntar um bando de amigos na empresa e pedir a eles que espalhem o contrário: fulano não é amante de cicrana, ou seja, agir por meio das redes informais. Na internet, as fofocas anônimas sobre outras pessoas são terríveis e minha recomendação é sempre publicar algo que as desmintam.
DiFonzo - Sim. Durante a última eleição presidencial nos Estados Unidos, surgiu o boato de que Obama dizia ser cristão, mas que, na verdade, secretamente, era muçulmano. Cerca de 90% da população americana escutou esse boato e 22% acreditam nele, ou seja, um quinto da população dos Estados Unidos. É fácil entender o porquê. Uma das razões é que o nome do meio de Obama é Hussein, um nome tradicional árabe muçulmano. As pessoas questionam: como um cristão tem um sobrenome muçulmano? A segunda razão: relatórios legítimos de sua escola na Indonésia que circularam pela internet diziam que a religião de Obama quando menino era o islã. O pessoal da campanha de Obama afirmou que a escola cometeu um engano, porque ele sempre foi cristão. Outro motivo: o avô de Obama era muçulmano. Então todos esses fatos inusitados deram força ao rumor. Outro fator importante: Obama ganhou a eleição com 49% dos votos, ou seja, existe uma metade da população muito feliz com ele, enquanto a outra metade não está. É fácil espalhar rumores danosos quando as pessoas já têm uma visão negativa sobre um assunto.