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sábado, 21 de março de 2009

Com pouca ajuda do governo, viúvas iraquianas enfrentam dificuldades

Número de viúvas aumentou drasticamente após seis anos de guerra.
Presença delas nas ruas se tornou um símbolo do colapso iraquiano.
Foto: Johan Spanner/The New York Times

Trailers de Al Waffa, o Parque dos Agradecidos, um dos poucos programas de ajuda disponíveis para as cerca de 740 mil viúvas iraquianas

Suas irmãs gêmeas foram mortas tentando fugir de Fallujah em 2004. Depois, seu marido foi morto por um carro-bomba em Bagdá logo depois de ela saber de sua gravidez. Quando suas próprias filhas gêmeas tinham cinco meses de idade, uma delas foi morta por um explosivo colocado num mercado em Bagdá. Agora, Nacham Jaleel Kadim, 23 anos, mora com sua filha que restou num espaço para trailers dedicado a viúvas da guerra e suas famílias, numas das partes mais pobres da capital do Iraque.

Isso faz dela uma pessoa de sorte. O local, chamado de Al Waffa, ou "Parque dos Agradecidos", está entre os poucos programas de ajuda disponíveis para as cerca de 740 mil viúvas iraquianas. Ele abriga 750 pessoas.

Como o número de viúvas aumentou drasticamente após seis anos de guerra, a presença dessas mulheres nas ruas da cidade, implorando por comida ou como potenciais recrutas por insurgentes, se tornou um símbolo problemático do colapso da auto-suficiência iraquiana.

Foto: Johan Spanner/The New York Times

Ruqiyah Abdelaziz perdeu o marido por causa do conflito no Iraque

Mulheres que perderam seus maridos antes eram cuidadas por um sistema de apoio a família, por vizinhos e mesquitas. No entanto, à medida que a guerra continua, o governo e organizações civis afirmam que as necessidades dessas mulheres agora ultrapassam a ajuda disponível, representando uma ameaça à estabilidade das delicadas estruturas sociais do país.

Sem mudança

Com a economia em dificuldades, dependente quase que inteiramente do preço do petróleo bruto, e com o governo preocupado com reconstruir o país e sufocar a violência sectária, oficiais reconhecem que pouca coisa deverá mudar no curto prazo.

"Não podemos ajudar a todos", disse Leila Kadim, diretora administrativa do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais. "São muitos".

Foto: Johan Spanner/The New York Times

Ahmed Hassan Sharmal, 58, e os parentes com quem vive no parque Al Waffa

Entre mulheres iraquianas com idade entre 15 e 80 anos, estima-se que uma em cada onze seja viúva, apesar de oficiais admitirem que esse número nada mais é que uma suposição, dada a violência contínua e o deslocamento de milhões de pessoas. Um relatório das Nações Unidas calculou que, durante o auge da violência sectária, em 2006, 90 ou cem mulheres se tornavam viúvas a cada dia.

Situação precária


Em grandes cidades como Bagdá, a presença de viúvas de guerra é difícil de ser ignorada. Cobertas em abayas (túnicas pretas), elas se arrastam através dos carros parados nos postos de controle de segurança, pedindo dinheiro ou comida. Elas esperam em fila do lado de fora das mesquitas para receber cobertores de graça, ou reviram montes de lixo jogados nas ruas. Algumas moram com seus filhos em espaços públicos ou nos banheiros de postos de gasolina.

Membros de agências de serviço social falam sobre viúvas forçadas a "casamentos temporários" – relações permitidas pela tradição xiita, geralmente baseadas em sexo, que podem durar de uma hora a vários anos – a fim de obter ajuda financeira do governo, religiosa ou de líderes tribais.


Outras viúvas de guerra se tornaram prostitutas. Algumas se juntaram à insurgência em troca de pagamentos regulares. As forças armadas iraquianas estimam que o número de viúvas que se tornaram mulheres-bombas pode ter crescido a dezenas.

Nas últimas semanas, mesmo com o governo formando comissões para estudar o problema, o poder público iniciou uma campanha para prender mendigos e sem-teto, incluindo viúvas de guerra.

Comoção e ações políticas


A questão explodiu na opinião pública de formas pouco comuns nas últimas semanas. Quando um jornalista iraquiano atirou seus sapatos no presidente Bush, em dezembro, ele gritou que o fazia em nome das viúvas e dos órfãos de guerra. Durante recente a campanha eleitoral provincial, comícios políticos contavam com músicas comoventes sobre o sofrimento das viúvas.

No entanto, esses sentimentos ainda devem ser traduzidos em ações políticas.

Esforços para aumentar a pensão paga pelo governo às viúvas – atualmente, cerca de US$ 50 (cerca de R$ 120) por mês e um adicional de US$ 12 (R$ 29) por filho – foram protelados. Para efeitos de comparação, o preço de um container de cinco litros de gasolina, usado para carros e para geradores caseiros, custa cerca de US$ 4 (quase R$ 10).

Ainda assim, somente cerca de 120 mil viúvas – aproximadamente uma em cada seis – recebem qualquer tipo de ajuda governamental, segundo dados do governo. As viúvas e seus defensores afirmam que, para receber benefícios, elas devem ter ligações políticas ou concordar com casamentos temporários com homens poderosos que controlam a distribuição dos recursos do governo.

"Isso é chantagem", disse Samira al-Mosawi, presidente do comitê para assuntos da mulher no parlamento. "Não temos lei para tratar essa questão. As viúvas não precisam de um apoio temporário, mas de uma solução permanente".

O plano mais recente, proposto por Mazin al-Shihan, diretor do Comitê de Deslocamento de Bagdá, um órgão municipal, é pagar aos homens para se casarem com as mulheres. "Não existe nenhum esforço sério por parte do governo nacional de resolver esse problema, então eu apresentei minha própria proposta", disse ele.

Quando questionado sobre o motivo pelo qual o dinheiro não deveria ser entregue diretamente às mulheres, al-Shihan riu.

"Se déssemos o dinheiro às viúvas, elas o gastariam de forma insensata, pois não têm instrução e não sabem nada sobre orçamento", ele disse. "Porém, se encontrássemos um marido para elas, vai haver alguém responsável por ela e pelos filhos pelo resto da vida. Isso está de acordo com nossa tradição e nossas leis".

Abdulalah F. Alafar, administrador do Centro Maryam de Caridade para as Crianças em Badgá, contou ter ficado tão frustrado com a falta de apoio governamental que começou a se distanciar de viúvas de guerra. Ele planeja fechar completamente sua organização este mês.

"Se a situação piorar, vamos ficar como a Índia", ele disse. Questionado sobre as prioridades do governo, ele acrescentou: "Eles estão ocupados construindo fontes públicas, apesar de não termos água na torneira".

Vida destruída


O local de trailers, no distrito de Al Shaab, em Bagdá, foi aberto há quatro meses. Seus 150 trailers de alumínio idênticos ficam em estreitamente enfileirados em meio a uma ampla área encharcada, a parte exterior deles já afetada pelos ventos de areia.

A alguns passos do trailer de Kadim, através de um caminho lamacento, Ahmed Hassan Sharmal, 58 anos, e sua família de 30 pessoas estão se mudando para os trailers número 39 e 40. Três de suas noras são viúvas. Crianças sem pais parecem preencher cada cantinho do trailer, brincando e rindo, enquanto suas mães se perguntam onde todos vão dormir.

Sharmal, que é xiita, perdeu três filhos para a violência sectária na província de Diyala, que foi um centro para a insurgência sunita, durante um período de dez meses em 2006.

Um filho, médico, foi morto num estacionamento enquanto caminhava em direção ao seu carro. Outro morreu depois que atiradores balearam a todos num campo de futebol. O terceiro, policial, recebeu um tiro atrás da cabeça enquanto caminhava para o trabalho.

Jinan, 25 anos, era casada com o médico. Ela não tem dinheiro e dispõe de pouca liberdade. Um de seus cunhados, ex-policial desempregado, planejava se casar com ela, um arranjo feito pelos cunhados. Enquanto conversávamos, seu filho de quatro anos se agitava no colo da sogra dela.

Em breve, Jinan não será mais uma viúva. Porém, ela se recusa a olhar para o homem escolhido para ser seu marido. Ela abaixa a cabeça como se fosse chorar. E a conversa prossegue com os outros, sem a participação dela.

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