Documentário traz de volta a saudosa TV Manchete - Confira o Teaser

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

MEMÓRIA DA TV - PROGRAMAS: FANTÁSTICO


- Em 1973, estreava na TV Globo um programa completamente diferente de tudo o que existia na televisão brasileira na época: uma revista eletrônica de variedades, com duas horas de duração, que reunia jornalismo e entretenimento para levar até o telespectador o que de mais espetacular estivesse acontecendo no Brasil e no mundo. O programa tinha um nome à altura de suas pretensões: Fantástico, o show da vida.
- Ao longo dos anos, graças às contribuições de centenas de profissionais de diversas áreas, esse conceito original se desenvolveu notavelmente. O Fantástico se tornou um painel dinâmico e multifacetado de quase tudo o que é produzido numa emissora de televisão – jornalismo, prestação de serviços, humor, dramaturgia, documentários exclusivos, música, reportagens investigativas, denúncia, ciência –, além de um espaço para a experimentação de novas idéias e formatos.
- O Fantástico foi criado pelo então diretor de Operações da Rede Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, para substituir o programa jornalístico Só o amor constrói (1973). Boni queria uma revista visualmente sofisticada que trabalhasse com a realidade e a ficção, representadas pelo jornalismo, pela dramaturgia e pela linha de shows. Um projeto especial, que contou com o envolvimento de toda a TV Globo. Participavam das reuniões de criação, além de Boni, Mauro Borja Lopes, o Borjalo (diretor da Central Globo de Produção); Armando Nogueira e Alice-Maria (responsáveis pela direção da Central Globo de Jornalismo); Paulo Gil Soares (diretor da Divisão de Reportagens Especiais); José Itamar de Freitas, Luiz Lobo e Luís Edgar de Andrade (jornalistas), Manoel Carlos, Augusto César Vanucci, João Lorêdo, Nilton Travesso, Maurício Sherman (diretores de TV); Walter George Durst (autor de novela); Luís Carlos Miéle e Ronaldo Boscôli (produtores musicais da emissora).
- Foi durante um desses encontros que Ronaldo Bôscoli – pensando na diversidade de assuntos que fariam parte da nova atração – sugeriu o nome Fantástico. Boni preferia O show da vida. Depois de uma breve discussão, decidiu-se juntar as duas idéias, e o progrma foi batizado. De acordo com Boni, o Fantástico foi o primeiro magazine na TV, e, mais tarde, serviu de espelho para programas similares em países como Espanha e Itália. A emissora italiana Rai, inclusive, chegou a colocar no ar, em 1979, um programa com o mesmo tipo e formato, logo denunciado pela revista Eva express como plágio da atração da TV Globo.


A primeira edição
- Fantástico, o show da vida foi ao ar pela primeira vez no dia 5 de agosto de 1973, com apresentação de Sérgio Chapelin e direção de João Loredo. A equipe do programa era formada pelos jornalistas André Motta Lima, Carlos Mendes, por Maria Raja Gabaglia, Ronaldo Bôscoli, Lafaiete Galvão, Chico Anysio, Arnaud Rodrigues e Haroldo Barbosa (redatores); Alice-Maria, José Itamar de Freitas, Jotair Assad, Paulo Gil Soares e Luiz Lobo (chefes de jornalismo); Miéle, Maurício Sherman e Walter Avancini (diretores da linha de shows e dramaturgia); Wilma Fraga, Ronaldo Curi, Ivan Rocha e Ito Medeiros (coordenação); Jerson Alvim (coordenador geral) e Augusto César Vanucci (supervisão geral).
- Na abertura, dirigida por Augusto César Vanucci, duas crianças corriam para o centro de um cenário totalmente branco e descobriam véus que ocultavam dançarinos vestidos com fantasias parecidas com as usadas no carnaval de Veneza. Os trajes foram criados pelo figurinista Sörensen e, segundo João Lorêdo – um dos diretores do programa –, foram inspirados em um espetáculo chamado Pippin, um musical estrelado pela atriz Marília Pêra, na época em cartaz no Teatro Manchete. Boni havia assistido à peça, se encantado com os figurinos e decidido que algo semelhante seria perfeito para a abertura do Fantástico.
- Os bailarinos, coreografados por Juan Carlos Berardi, dançavam ao som de um tema composto e arranjado pelo diretor musical Guto Graça Mello. A letra foi escrita pelo próprio Boni e podia ser interpretada como uma espécie de carta de intenções do novo programa: 'Olhe bem, preste atenção:/ nada na mão resta também./ Nós temos mágicas para fazer,/ assim é a vida, olhe para ver./ Milhares de sonhos para sonhar,/ miragens que não se podem contar./ Numa fração de um segundo/ qualquer emoção agita o mundo./ Riso! Criado por quem é mestre./ Sexo! Sem ele o mundo não cresce./ Guerra! Para matar e morrer./ Amor! Que ensina a viver./ Um foguete no espaço, num mundo infinito,/ provando que tudo não passa de um mito./ É Fantástico!/ Da idade da pedra ao homem de plástico,/ o show da vida!/ É Fantástico!'
- Nessa primeira edição do Fantástico, os telespectadores se depararam com um cardápio de assuntos variados. A atriz Sandra Bréa cantou e dançou em um número musical em homenagem à Marilyn Monroe, 11 anos depois da morte da estrela de Hollywood – durante alguns anos, Sandra Bréa se consagrou como a apresentadora dos números de show no Fantástico. Uma matéria exclusiva registrou o momento em que Tostão, craque da seleção brasileira de futebol tricampeã em 1970, recebeu o laudo médico que o impediria de continuar jogando. O programa mostrou ainda uma entrevista com o cirurgião plástico Ivo Pitanguy e um número de circo do programa americano Disney on parade, em que um homem fazia acrobacias em um trapézio preso a um avião. Em Nova York, a repórter Cidinha Campos entrevistou Sérgio Mendes, um dos músicos brasileiros mais bem-sucedidos no exterior, e apresentou uma matéria sobre o congelamento de doentes terminais com o objetivo de preservá-los até que fossem descobertas as curas para as suas doenças. Ao longo do programa, o apresentador Sérgio Chapelin informava sobre o noticiário da semana. O humorista Chico Anysio, por sua vez, apresentava um monólogo cômico em quatro partes.
- A edição foi encerrada com um texto especial, escrito por José Itamar de Freitas e lido por Cid Moreira, que falava sobre “o fantástico show da vida'. Era o que a redação apelidou de “boa-noite' e que seria o fecho do Fantástico por vários anos. No início, o texto era lido apenas por Cid Moreira. Depois, Sérgio Chapelin, Berto Filho, Celso Freitas e atores do elenco da TV Globo se revezavam na tarefa.
- Entre 1973 e 1977, sob a supervisão geral de Augusto César Vanucci, João Lorêdo, Manoel Carlos e Maurício Sherman dirigiram o Fantástico. Manoel Carlos define o programa daquele período como sendo fruto do trabalho em equipe e do espírito de aperfeiçoamento e competitividade entre os profissionais. Segundo ele, a rotina de produção era a seguinte: às segundas-feiras, todos se reuniam com Boni para fazer uma avaliação do que havia ido ao ar na semana anterior e traçar os planos para o próximo programa.
- Durante a semana, Manoel Carlos percorria os departamentos de jornalismo, dramaturgia e da linha de shows para supervisionar as pautas e os projetos. O programa era editado na noite de sábado – Paulo Ubiratan e Roberto Talma estavam entre os editores na época –, e no domingo o próprio Manoel Carlos escrevia o roteiro e o texto que costurava todas as atrações. Na época, esse texto era narrado em off pelo ator José Wilker.

O humor nos primeiros anos do Fantástico
- O humorista Chico Anysio esteve no ar todos os domingos durante os primeiros 16 anos do Fantástico. Nos dois primeiros anos, inclusive, apresentou um monólogo dividido em quatro partes – ele interrompia a história para chamar uma reportagem ou outros quadros do programa –, no qual contava as aventuras de um personagem criado especialmente para o Fantástico e que se tornaria uma das suas criações mais populares: o malandro Azambuja.
- Carioca da gema, bom de papo e sempre disposto a passar a perna nos incautos, Azambuja fez tanto sucesso que, em 1975, ganhou seu próprio programa, Azambuja & cia., que ia ao ar uma vez por mês, às segundas-feiras, com todos os personagens que habitavam o universo dos casos contados por Chico Anysio no Fantástico.
- Chico Anysio continuou apresentando um monólogo no programa, agora em uma só parte, falando de assuntos variados. O gesto peculiar com o qual costumava encerrar sua participação – um movimento com a mão estendida em direção à câmera como se ele a puxasse para si – acabou se tornando a marca registrada do quadro. O humorista nunca repetiu o gesto em nenhum outro programa do qual participou.
- Chico Anysio ainda voltaria ao Fantástico em mais duas ocasiões: no quadro Secretária eletrônica (1992), comentava recados enviados pelos telespectadores que ligavam para um número de telefone de São Paulo; em Cartão de visitas (2003), reviveu 149 dos mais de 200 personagens que criou ao longo de sua carreira, contracenando com atores como Francisco Cuoco, Alexandre Borges e Marcos Palmeira.
- Chico Anysio precisou se afastar do Fantástico durante duas semanas, em 1974, quando foi substituído pelo comediante português Raul Solnado, que já havia participado de outros humorísticos da TV Globo. Seu humor ingênuo com um toque de absurdo agradou, e o comediante permaneceu no programa até o final daquele ano. Os esquetes de Solnado eram sempre construídos a partir de uma conversa telefônica imaginária – pontuadas por forte sotaque e expressões típicas de Portugal –, na qual ele relatava casos engraçados, discutia com seu interlocutor ou tentava convencê-lo de alguma idéia extravagante. Em um deles, por exemplo, o humorista encarnava um soldado maluco que requisitava ao seu comandante mais munição para continuar a combater um inimigo invisível.
- O artista plástico Juarez Machado, pioneiro do desenho de humor na televisão brasileira, também teve um quadro de enorme sucesso nos primeiros anos do Fantástico: vinhetas animadas nas quais ele atuava como mímico – ou, na sua própria definição, um “desenhista do gesto' – ao som de um tema composto pelo maestro Júlio Medaglia.
- Juarez Machado trabalhava como cenógrafo da TV Globo quando – inspirado na coluna de humor Nonsense, que assinava no Jornal do Brasil – teve a idéia de emprestar o corpo para dar vida aos seus desenhos. No seu quadro, exibido até 1978, Juarez interagia com os próprios desenhos e se apresentava com o rosto pintado de branco e vestindo uma fantasia que era uma mistura de boneco e palhaço. As performances invariavelmente terminavam com o mímico desenhando uma linha de trem, uma passarela ou uma trilha de pegadas, por onde ele caminhava até desaparecer na tela. A estrada sempre foi um tema recorrente na obra de Juarez Machado e aparecia representada de várias formas em muito dos seus desenhos.

Os musicais
- Nos primeiros anos, o Fantástico pertencia à área de shows e, desde a estréia, reservava um espaço privilegiado para números musicais, funcionando como um laboratório de inovações cênicas, cenográficas e coreográficas. Cerca de duzentas pessoas – entre músicos, cantores, bailarinos e produtores – trabalhavam ativamente nesse setor.
- Em 1974, um dos primeiros musicais apresentados no programa foi com o grupo Seco e Molhados. O Fantástico exibiu imagens em preto e branco dos bastidores e do show no Maracanazinho. O cantor Ney Matogrosso interpretou canções de sucesso como 'O vira' e 'Rosa de Hiroshima'. Nesse mesmo ano, os musicais passaram a exigir um cuidado ainda maior, com o uso da imagem colorida. A primeira vinheta em cores do Fantástico foi gravada no dia 14 de abril, no Teatro Fênix, no Rio de Janeiro. A TV Globo criara um novo sistema de gravações, e a idéia era utilizar no programa as câmeras Ferneseh, adquiridas para o uso em telenovelas. A novidade fazia parte da política de planejamento e implementação da imagem colorida recomendada na época pelo Ministério das Comunicações. Em setembro de 1975, um desses musicais apresentou Maysa cantando o tema de abertura da novela Bravo no concerto do pianista Arnaldo Cohen e regência de Isaac Karabtchevsky. Ainda em 1975, outro musical colorido foi com o compositor Paulinho da Viola na música 'Pecado capital', tema de abertura novela da TV Globo.
- A partir do dia 28 de maio, o Show da vida já começou a ser exibido em cores – embora, devido à dificuldades técnicas para se efetuar esse tipo de transmissão com mais freqüência, durante alguns anos, certos quadros e reportagens foram ao ar com imagens em preto e branco. Naquele dia, tudo estava planejado para que o primeiro musical colorido da televisão brasileira fosse o da canção Gita, de Raul Seixas. Contudo, um atraso na edição – o musical era cheio de efeitos visuais – obrigou a equipe a mudar os planos, e a honra coube à Bom tempo, chorinho interpretado pela cantora Sônia Santos.
- A introdução da cor implicou um cuidado ainda maior com o lado plástico do Fantástico, que passou a ter cenários com menos desenhos e espaços mais abertos; figurinos mais estudados em relação às combinações de cores, com tecidos mais leves e sem excesso de brilho, além de iluminação mais sofisticada. Também se começou a explorar a utilização de efeitos visuais como o chromakey, até então usado quase que exclusivamente nos telejornais da emissora. O diretor de arte Ciro Del Nero lançou mão do recurso para injetar criatividade nos números de dança ou nas performances musicais exibidos no programa.
- Desde o início, o diretor da área de shows Nilton Travesso utilizou todos os meios técnicos disponíveis para a montagem e produção de números estrelados por cantores e bandas. Travesso também revolucionou tecnicamente os musicais, realizando gravações externas, com produção e edição esmerados, proposta bem inovadora para o trabalho em televisão na época.
- O Fantástico também já exibia números musicais produzidos em outros países, e os correspondentes internacionais nos Estados Unidos ou em Londres, sempre que possível, destacavam entrevistas e as últimas novidades na parada internacional, além da influência de ritmos e cantores brasileiros no exterior.
- Em 1977, o Fantástico enviou uma equipe de repórteres e cinegrafistas em viagens do Rio Grande do Sul ao Amazonas para registrar as principais manifestações culturais e musicais do Brasil. Essas reportagens especiais fizeram parte do quadro Música popular brasileira, cuja proposta era discutir e defender a história da música e das próprias raízes culturais do país.
- Música popular brasileira contava com a participação de especialistas como o cantor, compositor e radialista Almirante – pseudônimo de Henrique Foréis Domingues – e os jornalistas Sérgio Cabral, Ana Maria Bahiana e José Ramos Tinhorão, que traçavam a trajetória de músicos e intérpretes de vários gêneros, como samba, bossa nova e chorinho. Temas atuais serviam como ganchos para se falar de grandes compositores do passado. Mas o quadro também revelava novos talentos, como a banda Secos & Molhados, que fez suas primeiras apresentações no Fantástico para, em seguida, conquistar sucesso nacional.

A Zebrinha e os Gols do Fantástico
- Duas atrações dos primeiros anos viraram marca registrada do Fantástico. Os resultados da Loteria Esportiva eram apresentados pela Zebrinha, um boneco criado por Borjalo que mexia a boca, enquanto a dubladora Maralisi lia os resultados dos jogos do fim-de-semana. Borjalo conta que a idéia do personagem surgiu a partir de uma história do folclórico técnico de futebol Gentil Cardoso. Quando um time pequeno ganhava de maneira inesperada, ele dizia: “Deu zebra' (uma referência ao Jogo do Bicho, que não inclui a zebra). O quadro da Zebrinha também chamava a atenção para as previsões feitas por Oswald de Souza. De 1974 até 1992, o matemático projetou o número de ganhadores da Loteria Federal. E, em todos esses anos, sua média de acerto foi de 90%.
- Outro marco foi o quadro Gols do Fantástico, que apresentava os gols marcados nas partidas de futebol realizadas no fim-de-semana. Ia ao ar no fechamento do programa apresentado por Léo Batista.
- Entre 1974 e 1979, Gols do Fantástico era editado pelo jornalista Edson Ribeiro. Ele conta que fazia a edição sozinho enquanto o programa ainda estava no ar. Como os jogos terminavam por volta das cinco da tarde, e o quadro entrava no ar às dez, ele ia editando à medida em que as imagens eram geradas pelas praças. Em uma noite normal, o jornalista chegava a editar 30 gols, mas houve domingos em que até 50 foram exibidos. Edson Ribeiro também acredita ter sido o pioneiro na exibição em slow motion de um lance. Em 1975, o juiz de uma partida anulou um gol dizendo que a bola não havia entrado. O jornalista preparou uma edição que repetia o lance várias vezes, mostrando que havia sido gol, e o juiz estava errado. A partir da década de 1980, os Gols do Fantástico passaram a ser editados pela Divisão de Esportes da TV Globo.
- Em maio de 2007, Léo Batista deixou a apresentação do Fantástico. Em seu lugar entrou Tadeu Schmidt, que passou a apresentar um quadro sobre futebol com os gols da rodada e matérias sobre os principais jogos.

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