Se fosse para escolher no Brasil uma pessoa, uma só, que o futebol servisse como redenção, ela tem nome e sobrenome: Rebeca Gusmão.
Em entrevista exclusiva ao blog, Rebeca mostra toda a sua mágoa por estar envolvida na maior polêmica da natação nacional de todos os tempos.
Foi banida por exames apontarem esteróides anabolizantes em amostras coletadas no Panamericano do Rio em 2007.
A esperança do recurso do banimento que sofreu por parte da Federação Internacional de Natação. Ela viajará no dia 14 para a Suíça.
Jura não ter usado nada. Diz que os músculos enormes que ganhou vieram do treinamento e da testosterona natural do seu organismo.
Seus ovários seriam policísticos que produzem uma alteração normal do nível de testosterona. Tem esperança que fique provado nesse último recurso.
Se diz alvo de preconceito, ignorância e de ter enfrentado laboratórios poderosos que dominam o esporte e um médico de conceito internacional.
Tanto o laboratório quanto o médico não tinham explicações viáveis para o espantoso aumento de sua massa muscular. Daí o banimento.
Vendeu até seu carro para pagar os advogados que lutam pela sua defesa.
"Fui massacrada. Minhas lágrimas secaram. Mas lutarei até o fim. Se estivesse errada teria desistido. O apoio encontrei no futebol está me dando muita força."
Como é que está a sua adaptação ao futebol?
Sensacional. Estou treinando muito. Perdi 18 quilos de gordura. Essa alteração de peso vem do treinamento específico. Minhas pernas estão bem mais fortes. Minhas panturilhas cresceram cinco centímetros. Eu tenho facilidade em ganhar músculos. Sempre houve muita ignorância das pessoas. O corpo do atleta de ponta é diferente das pessoas normais. Se você passa a manhã, a tarde e a noite treinando, o corpo muda mesmo. (No Pan de Santo Domingo em 2003, ela pesava 66 quilos. Em 2007, no auge do treinamento para o Panamericano do Rio estava com 82.) Eu cresci tanto treinando e me alimentando bem. Tomava os suplementos que todos os nadadores do Brasil tomavam. Ninguém respeitou o meu metabolismo. O meu corpo é diferente e sofri preconceito. Ou vão falar que eu estou tomando anabolizantes para jogar futebol? Sofro pela ignorância das pessoas.
Mas as fotos que mostram as mudanças no seu corpo são impressionantes. Você cresceu muito...
No Brasil se julga muito sem saber as coisas de verdade. Ninguém acompanhou o meu treinamento todos os dias. Ninguém viu a minha alimentação. Há muita hipocrisia. As pessoas falam sem base e te condenam. Eu enfrentei precoceitos que acompanham as mulheres que conseguem ganhar músculos. Eu sou forte fisicamente. Venho de uma família de esportistas. Os limites dos treinamentos mudaram. As pessoas olham com maldade. Quando eu vou coçar a minha cabeça na rua, logo dizem baixinho: "Você viu o braço dela? Não pode ser natural". Falam baseados no quê? As pessoas estão mudando, ficando mais altas, mais fortes. Sou vítima de preconceito. Puro preconceito. Fui massacrada.
Mas e os exames?
Não são verdadeiros. Não tomei nada proibido. Nada. Mas como eu desafiei a Confederação Brasileira de Natação, o laboratório internacional que me analisou e até o um médico de prestígio mundial que me condenou sem me examinar (Eduardo de Rose). Havia muito interesse em jogo. Eu estava ganhando tudo. Me acusaram de tudo e aos poucos a minha inocência está vindo à tona. (Ela se refere à acusação de fraude. Quando, em um exame o resultado deu negativo para uso de anabolizante, foi acusada de haver trocado a urina com outra pessoa. O Ministério Público a investigou e a inocentou.) Só Deus para me dar força para suportar tantas acusações, tanto massacre. Se não fosse minha família, o meu marido, não sei o que seria de mim.
E o futebol?
Veio na hora certa. Eu nasci para o esporte.Não ficaria sem ele. Me sinto viva treinado, correndo, me exercitando. Ninguém vai tirar isso de mim. Sempre gostei de futebol. Meu pai Ajalmar jogou no Náutico. Sempre gostei e sempre soube bater na bola. Recebi o convite da Associação Atlética Esportiva e Recreativa dos Cooperados do Distrito Federal (ASCOOP). Sou atacante. Aproveito a minha força física e vou fazendo gols. O futebol tem me dado muito prazer. Não sou craque, mas mereço ser titular. Vamos até disputar um torneio no Rio neste fim de semana com o Duque de Caxias, a Portuguesa e o time americano do T. Chicago. Estou mais do que ambientada.
Mas logo o futebol feminino? Você é masoquista?
Não, não sou não. Foi bom você ter perguntado. As pessoas me criticaram tanto, mas são incapazes de olhar para o lado e ver o que fazem com o futebol feminino no Brasil. No meu time ninguém recebe nada. Se não fosse eu ter um patrocínio da Decel (fábrica de material de construção) e da Uniceub (Centro Universitário de Brasília), não teria condições de jogar. E eu quero aproveitar e te perguntar. Você acha que uma fábrica e uma universidade iriam apoiar uma atleta dopada? Pense bem. As pessoas que me apoiam aqui em Brasília me conhecem. Têm informações sobre a minha vida desde menina. Ninguém arriscaria a sua imagem me apoiando se não tivesse certeza da minha honestidade. E quanto ao futebol feminino dá dó ver talentos como a Marta, a Cristiane e quase todas medalhistas de prata em Pequim ter de jogar fora do Brasil. As autoridades do esporte prometeram mil coisas para elas e não deram nada. É muita hipocrisia, mentira, preconceito. A Copa do Brasil de futebol feminino iria começar em janeiro. Treinamos como nunca e ela foi cancelada. É uma falta de respeito absurda.
Você acompanhou a Olimpíada de Pequim? Viu a natação?
Não vi, não. Não porque eu sabia que deveria estar lá, mas não quis ver não. Acho natação um esporte chato para ver pela televisão. Fiz questão de acompanhar o Michael Phelps no nado de borboleta, quando ele quebrou todos os recordes. Sabe por quê? Porque todos no Brasil estavam torcendo contra. Não sei que tem o nosso país que todos gostam de ver os ídolos se dando mal, sofrendo decepções. Eu sofri isso na pele. Senti a satisfação das pessoas com tudo de mal que foi feito comigo. Chorei muito. Minhas lágrimas secaram.
Mesmo se você ganhar o recurso você nunca mais disputará uma prova de natação?
Meu sonho é ganhar o recurso e disputar uma última prova. Quero ter o prazer de ganhar de novo na piscina. E não vou precisar nem treinar. Só Deus sabe a força que eu tenho dentro por mim por ter sido tão injustiçada. E não vou largar o futebol nunca, me apaixonei. Mas não quero sair da natação sendo vítima de preconceito, ignorância.
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