Deitada em sua cama, em seu amplo apartamento no bairro do Leblon, no Rio de Janeiro, Vera Fischer reforça a imagem de símbolo sexual com a qual é identificada há 40 anos, desde que ficou famosa ao conquistar o título de Miss Brasil 1969. Esta, porém, foi uma imagem que ela não quis passar em seu segundo livro autobiográfico, Um Leão Por Dia, que lança na segunda-feira (23), pela Editora Globo. Ao longo das 256 páginas da obra, a atriz, atualmente na TV com a personagem Chiara, em Caminho das Índias, optou por contar outro lado de sua trajetória, que não o do apelo sexual. No texto, Vera relembra o passado, discorre sobre o concurso que a tornou famosa e dá detalhes sobre sua carreira artística e a vida em família, sempre com toques de humor e afeto. Sobre as brigas que teve, no anos 90, com seu segundo marido, o ator Felipe Camargo, não há quase nada. “Queria um livro bonito, que não tivesse maldade nem ódio ou rancor das pessoas, porque não tenho mais nada dessas coisas dentro de mim”, afirma.
Em sua conversa com QUEM, porém, a atriz concordou em se abrir um pouco mais. Apesar de, aos 57 anos, ainda ser considerada um símbolo sexual, Vera confessa que está há dois anos sem fazer sexo. A revelação, surpreendente para o público, é feita com a maior naturalidade pela atriz, que diz nunca ter dado muito valor ao sexo. “Transava muito pouquinho.” Vera também fala, pela primeira vez, e com rara riqueza de detalhes, sobre o período em que foi viciada em cocaína. A seguir, sua entrevista.
QUEM: Quando lançou seu primeiro livro, Vera – A Pequena Moisi, disse que, no segundo, iria contar os acontecimentos da fase adulta. Mas em Um Leão Por Dia você falou mais da vida profissional. Teve medo de se expor?
VERA FISCHER: É muito óbvio escrever sobre o que já saiu. Não fiquei com medo de me expor. Sou uma pessoa delicada. Acho falta de respeito escrever sobre alguém. Queria um livro bonito, que não tivesse maldade nem ódio ou rancor das pessoas, porque não tenho mais nada dessas coisas dentro de mim.
QUEM: Logo no início do livro, você afirma que passou por sofrimentos, atos de coragem e rebeldia até chegar à felicidade. Que sofrimentos foram esses?
VF: Eu era a intelectual que usava óculos de grau e gola rulê e, de uma hora para outra, virei miss. Veio com o pacote: loura, burra, canastrona, puta, que faz pornochanchada. E me apelidaram de símbolo sexual. Foi o primeiro grande choque. Depois, sofri de novo com o Felipe (Camargo, seu segundo marido). A gente se amava muito, mas a gente brigava muito. Tinha a droga no meio. Foi o sofrimento de chegar ao fundo do poço. Mas acho que a gente tem que passar por essas coisas todas na vida para descobrir que é feliz.
QUEM: O que provocou essa mudança?
VF: Quando perdi a guarda do Gabriel (seu filho com Felipe Camargo), foi o maior choque da minha vida. Tentei fazer análise, mas não me enquadrei. Faço autoanálise: paro e penso em tudo durante horas. Amadureço e as coisas passam.
QUEM: E que atos de rebeldia fez até chegar à felicidade?
VF: Sempre enfrentei as pessoas. Isso é mais que rebeldia, é transgressão. A pessoa que é livre e que exercita sua liberdade sempre choca os outros.
QUEM: Você diz que foi muito usada. Em que ocasiões? Em quais se deixou usar?
VF: Uma coisa remete a outra. Se a imprensa caiu de pau em cima de mim, é porque dei uma brecha. Fui muito massacrada. Podia ter ficado doida, ter surtado e estar no sanatório até hoje. Felizmente, tenho a mente saudável. Mas não culpo totalmente as pessoas por isso. Também tive o meu quinhão.
QUEM: No livro, você não fala de quando esteve internada numa clínica de desintoxicação para dependentes químicos...
VF: Mas isso (ser internada) não adianta nada para quem usa cocaína. Só para quem é viciado em heroína, porque é uma coisa que mexe com o corpo. Parei sozinha, quando quis. Foi quando falei para mim mesma: agora vou parar. Esses lugares são bons porque você conhece gente interessante, conversa. Fiz grandes amizades.
QUEM: Então você não aconselha esse tipo de tratamento, como o que o Fábio Assunção está fazendo agora?
VF: Tomara que para ele funcione. Mas só funciona se ele quiser parar.
QUEM: Quando você quis?
VF: Quando perdi o Gabriel. Aí, eu parei.
QUEM: Quantos anos você tinha quando experimentou cocaína pela primeira vez? Usou outras drogas também?
VF: Não. Foi só cocaína. E comecei velha, com 36 anos.
QUEM: As pessoas ofereciam drogas a você?
VF: Todo o mundo cheirava e oferecia. Era muito fácil. Eu ia às festas, às boates e achava ótimo cheirar. Eu dançava muito, ficava alegre, por isso eu cheirava.
QUEM: Você ainda tem momentos de fraqueza?
VF: Nunca tive momentos de fraqueza. De fragilidade, sim. Mas, de fraqueza, nunca. Sou muito forte. Não bate vontade nenhuma. Nem com bebida. Hoje em dia, bebo só vinho tinto e champanhe.
QUEM: No livro, você também fala pouco sobre o Felipe Camargo. Sobre as brigas, afirma apenas que elas aconteceram. Mas foram muitas, não? Quem batia em quem?
VF: Foram. Nós dois juntos. Um batia no outro. A gente se batia de tapa, jogávamos umas coisas, uma vez joguei um cinzeiro. Outra vez, ele quebrou o meu braço. Uma vez, ele foi parar no hospital. Tudo ciúme. Como a gente é ignorante quando sente ciúme!... Hoje em dia, fico pensando, se naquela época soubesse como o ciúme é uma coisa idiota, nada disso teria acontecido.
QUEM: Mas havia motivo para esse ciúme recíproco?
VF: Não. Eram ciúmes infundados. A gente inventava motivos. Não podíamos olhar para o lado.
QUEM: Quando fez a minissérie Desejo, em 1990 – que você diz no livro ter sido seu trabalho mais marcante –, a imprensa noticiou que você foi atropelada porque estaria brigando com Felipe num restaurante e que não viu o táxi quando atravessou a rua...
VF: Não. Estávamos no restaurante comemorando o aniversário do Guilherme Leme. O Felipe atravessou a rua, que era de mão inglesa, mas o táxi veio com o farol apagado e eu não o vi. Não teve nada a ver com o Felipe. Naquele dia, não.
QUEM: Dizem também que você teria dado uma facada no Felipe, em 1994, quando ele chegou a ser hospitalizado.
VF: Cortei o Felipe com vidro, porque ele quebrou o meu braço. Como eu sou mais forte, as pessoas vieram em cima de mim. Mas isso é passado.
QUEM: Em 1995, quando fazia a novela Pátria Minha, você foi afastada da Globo e sua personagem morreu num incêndio...
VF: Não fui afastada, eu saí. Liguei para a produção e falei para não me escalarem mais (para as gravações). Foi numa época em que eu e o Felipe estávamos brigando muito, todos os jornais falando mal da gente. Não aguentei.
QUEM: Você não ligou ao menos para o autor, o Gilberto Braga?
VF: Eu não. Por isso o Gilberto não me suporta até hoje. A gente fala, dá dois beijinhos, mas a gente é falso também, tanto ele quanto eu.
QUEM: Você havia prometido falar sobre a primeira vez em que fez sexo, mas não se estende muito. Diz apenas que tinha 15 anos e ele estudava com você, “era baixinho, moreno, míope e dirigia a Kombi do pai dele”. Conta que foi na areia da praia, mas que “os sinos não tocaram”? Foi ruim?
VF: Digamos que foi inexperiência da minha parte e da parte dele. Eu não estava apaixonada. Também não sei se a primeira vez de alguma pessoa é boa. Não gosto dessa coisa de transar na areia ou no mato. Gosto de uma cama bem confortável com semiluz, um ar-condicionado, tudo bonitinho.
QUEM: Quando e com quem os sinos tocaram para você?
VF: Com o Perry (Salles, seu primeiro marido, pai de sua filha Rafaela). Fiquei 16 anos com ele, foi um amor maravilhoso. Eu tinha 19 anos. Não foi o segundo homem, mas foi o primeiro que bateu.
QUEM: O que é preciso para os sinos tocarem para você?
VF: Amor. Você vê que tem dois anos que não faço sexo. Não me importa, não sinto falta. Tem que amar.
QUEM: São dois anos sem sexo? O que costuma fazer quando bate aquela falta, aquela vontade...
VF: Mas não sinto falta. Aí é que está. Nem todo mundo é igual, né? Mas, na verdade, eu também nunca fui muito sexual. Nunca fui muito de transar.
QUEM: Mesmo quando era casada?
VF: Mesmo quando era casada e quando era jovenzinha. Nunca fui. Tudo o que falavam de mim, de ser símbolo sexual, na verdade, era o contrário.
QUEM: Era a mulher loira e maravilhosa, tida como símbolo sexual...
VF: E que transava pouquinho (risos).
QUEM: Faz sexo sem estar namorando?
VF: Não. Não tenho vontade. É cada vez menos. Acho que só vou conseguir fazer sexo quando amar uma pessoa.
QUEM: Dos quatro últimos relacionamentos que teve (com Floriano Peixoto, Murilo Rosa, Paulo Serra e Marcos Paulo), você disse apenas que gostou deles. Não amou nenhum deles?
VF: Não, não. Só tive dois homens que eu amei realmente na minha vida, que foram o Felipe e o Perry. Só.
QUEM: Você se sente sozinha?
VF: Não. Sou uma ótima companhia para mim mesma, sabia (risos)?
QUEM: Você afirma no livro que é parceira, é uma pessoa fácil de se relacionar. Agora você ficou mais exigente com seus parceiros?
VF: Claro. E não duvido que vá pintar ainda o amor da minha vida. Acho que é uma pessoa igual a mim, só que homem. Deve estar em algum lugar deste planeta. Quer as mesmas coisas que eu quero, idealiza o mundo, é romântico do jeito que eu sou. Deve ser um homem perdido, que também não se relaciona com outras pessoas e está esperando uma mulher como eu. Se estiver, vou encontrar.
QUEM: Você conta, no livro, que foi eleita Miss Brasil em meio a várias irregularidades. Tinha 17 anos, e não 18, como era obrigatório, e usou peruca quando era proibido. Não se incomodou por conseguir o título de forma irregular?
VF: Não, imagina. Só queria que resolvessem a minha situação para poder viajar para concorrer ao Miss Universo. Falsificaram os meus documentos todos. Usava peruca porque era moda.
QUEM: Você diz no livro que usava peruca porque gostava que o povo comentasse que você era “uma messalina que usava peruca”. Gostava de chamar a atenção?
VF: Como sou tímida, faço o oposto. Fazia o lado extrovertido para camuflar o meu lado tímido, que tenho até hoje. Jogo para despistar.
QUEM: É uma personagem então?
VF: É. Sou alegre, brincalhona, criança, mas extrovertida, não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário