MEMÓRIA DA TV - DRAMATURGIA: LAÇOS DE FAMÍLIA

Autoria: Manoel Carlos
Colaboração: Fausto Galvão, Maria Carolina, Vinícius Vianna, Flávia Lins e Silva
Direção: Moacyr Góes
Direção geral: Ricardo Waddington, Rogério Gomes e Marcos Schechtman
Direção de núcleo: Ricardo Waddington
Período de exibição: 05/06/2000 - 02 /02/2001
Horário: 21h
Nº de capítulos: 209
Trama/ Personagens:

- Manoel Carlos volta a escrever sobre o bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, para falar de temas universais como as relações amorosas e familiares, em especial das que são construídas entre pais e filhos, com doses bem equilibradas de folhetim e realismo.
- A novela começa às vésperas do réveillon de 2000, com um acidente de trânsito envolvendo a bela Helena (Vera Fischer) – uma empresária de 45 anos, sócia de uma clínica de estética – e Edu (Reynaldo Gianechini), um médico recém-formado, 20 anos mais novo. Helena está a caminho da praia quando o seu carro se choca com o do jovem médico. De início, os dois se estranham, mas depois acabam se envolvendo.

- O acidente acontece em frente à Livraria Dom Casmurro, de propriedade de Miguel (Tony Ramos), um homem culto e bem colocado na vida, com dois filhos. O mais velho é Paulo (Flávio Silvino), um jovem com seqüelas neurológicas de um desastre de carro, no qual a mulher de Miguel faleceu. A mais nova é a rebelde Ciça (Júlia Feldens), uma jovem imatura e irresponsável, que ama o pai e o irmão, mas que não consegue encarar a vida com responsabilidade. Com o passar do tempo, ela vai aprendendo a entendê-los melhor e a merecer seu respeito. Quando Edu leva Helena até a livraria para prestar primeiros socorros, Miguel se encanta imediatamente com ela.

- Edu e Helena acabam se apaixonando, e o romance entre os dois gera toda sorte de reações positivas e negativas. Uma que não vê com bons olhos o namoro de Edu com uma mulher mais velha é Alma Flora (Marieta Severo), a tia superprotetora e autoritária de Edu. Incapaz de ter filhos, ela cuidara de Edu e sua irmã Estela (Júlia Almeida), e do patrimônio que eles herdaram após a morte dos pais. Por conta disso, tem uma relação de posse e ciúmes muito fortes em relação ao sobrinho. Ela vive em uma mansão na Joatinga, com os sobrinhos e seu quarto marido, Danilo (Alexandre Borges), um bon vivant simpático, de 35 anos, que vive às suas custas e é um mulherengo incorrigível. Danilo será responsável pelos bons momentos cômicos da trama, nas suas seguidas tentativas de seduzir a empregada Ritinha (Juliana Paes).

- Alma é a dona de um haras, entregue aos cuidados de Pedro (José Mayer), um homem duro, rústico e completamente apaixonado pelo que faz. Ele é primo de Helena, e, no passado, os dois viveram um romance no final da adolescência. No início da novela, ele se separa da esposa Silvia (Eliete Cigarini), dona de uma floricultura, por causa dos seus ciúmes. No decorrer da trama, vai se envolver com a bela veterinária Cínthia (Helena Ranaldi), de quem não gosta no início. Por causa de seu ponto-de-vista machista, ele estabelece uma relação de amor e ódio com a moça, por quem sente uma atração irresistível. Ele também será alvo do desejo da rebelde e espevitada Íris (Deborah Secco), a meia-irmã de Helena, que vai morar no haras após a morte da mãe. Recém-saída da adolescência, ela é uma menina de comportamento dúbio capaz de qualquer coisa para conseguir o que quer. Ela se apaixona por Pedro, mas vive às turras com ele que a trata como criança. No final da novela, entretanto, Íris consegue conquistá-lo.

- Helena é mãe de dois filhos. Fred (Luigi Barricelli) é um engenheiro recém-formado, mas que continua desempregado. Ele é casado com Clara (Regiane Alves), uma menina rica e superficial que casou jovem e ainda não consegue se adaptar a uma vida de dificuldades financeiras. Os dois têm uma filha pequena, Nina (Larissa Honorato). A filha mais nova de Helena é Camila (Carolina Dieckmann), que estuda literatura em Oxford, na Inglaterra. Ela conhece o namorado da mãe no Japão, onde Helena vai visitá-la no início da novela. Mais tarde, já de volta ao Brasil, a moça fica encantada com a felicidade de Helena e desenvolve uma relação de amizade com Edu, já que os dois têm a mesma idade e os mesmos interesses.
- Porém, com o tempo, Camila descobre que está se apaixonando por Edu e que está sendo correspondida. Os dois resistem o quanto podem, sofrendo muito. Helena percebe e, entendendo que seu relacionamento com o namorado já está condenado, decide se afastar dele para que a filha seja feliz. Depois de uma transição dolorosa e cheia de discussões, Edu e Camila acabam juntos. Mais tarde, vendo o caminho aberto, Miguel investe em Helena e consegue conquistá-la.

- Helena está feliz e prestes a ser pedida em casamento por Miguel. Sua filha está casada com Edu e grávida dele. Tudo parece estar bem. Até que Camila perde o bebê e descobre que sofre de leucemia. Ela, então, passa por todos os processos do tratamento para a doença, mas suas chances de sobreviver dependem fundamentalmente de um bem-sucedido transplante de medula. O principal doador em potencial seria o seu irmão Fred (Luigi Barricelli), mas ele não pode doar, porque os dois não são filhos do mesmo pai.
- Até então, Helena mantivera em segredo a identidade do pai de Camila, mas, quando vê sua vida em risco, se vê obrigada a contar a verdade: ela é filha de Pedro. Depois que ela engravidara do primo, ainda jovem, fora expulsa de casa pelo pai e decidira manter segredo sobre o caso. Disposta a fazer qualquer coisa para salvar a filha, Helena se sacrifica pela segunda vez. Ela abre mão do seu amor por Miguel, se afasta dele – recusando inclusive seu pedido de casamento – e engravida de Pedro para gerar um doador de medula para a filha.

- A filha de Helena e Pedro nasce e é batizada com o nome de Vitória. O transplante de medula é realizado com sucesso, e Camila se recupera totalmente da doença. Ela termina a novela feliz ao lado de Edu, que já não é tão controlado por Alma como antes. Danilo havia finalmente seduzido Ritinha, e a empregada engravidara. Expulso de casa por Alma, ele fica sabendo pouco depois que a moça dera à luz um casal de gêmeos e morrera durante o parto. Alma termina perdoando o ex-marido e se encarrega pessoalmente de cuidar dos filhos da empregada. Helena se reconcilia com Miguel, que a pede em casamento novamente. Ela aceita.

- Uma das tramas paralelas de Laços de família fez tamanho sucesso que por diversos capítulos desviou a atenção do público da trama principal: a história de Capitu (Giovanna Antonelli), uma linda universitária que trabalha como garota de programa e, com o dinheiro, sustenta o filho de um ano de idade e seus pais, Pascoal (Leonardo Villar), um intelectual aposentado que trabalha com revisor de livros para Miguel, e Ema (Walderez de Barros), dona de casa e costureira. Capitu é ex-namorada de Fred, a quem não via há muitos anos até que se reencontram. Como o casamento dele com Clara está no final, os dois acabam se envolvendo e, por amor a Fred, ela decide abandonar a prostituição. Para isso passa por uma verdadeira via-crúcis, que inclui as investidas de Orlando (Henrique Pagnoncellis), um ex-cliente obcecado por ela; e as ameaças do ex-marido e pai do seu filho, o marginal Maurinho (Luiz Nicolau). No final, ela consegue superar tudo e vai trabalhar como vendedora na livraria de Miguel. Ela e Fred se casam.

Produção:
- Uma equipe de 25 pessoas passou dez dias no Japão, gravando cenas do encontro de Helena, Edu, Camila, Miguel e Ciça que acontece nos primeiros capítulos da novela. As gravações aconteceram nas cidades de Tóquio, Kyoto e Nikko, com o apoio de profissionais da IPC Television, retransmissora da TV Globo Internacional no Japão.
- Nos primeiros capítulos, a livraria Argumento serviu como locação para as cenas da Livraria Dom Casmurro, do personagem Miguel. Depois, um cenário idêntico foi construído no Projac, com mais de 4 mil livros emprestados por editoras e um busto de Machado de Assis. Um cenário externo reproduzindo uma floricultura também foi construído pela Central Globo de Produção. O local contava com mais de 40 arbustos de diferentes cores e tipos – rosas, lírios, gérberas, margaridas, orquídeas –, todas artificiais, mas fotografando perfeitamente como verdadeiras graças à combinação certa de textura e tipo de iluminação usados.

- Os atores que trabalharam nos cenários da clínica Naturalis, de Helena – onde se lidava com fisioterapia, acupuntura e vários tratamentos de beleza –, e no Haras, comandado por Pedro, passaram por treinamento especial e foram auxiliados por profissionais especializados.
- O diretor Ricardo Waddington conta que procurou trabalhar com poucos movimentos de câmeras para conseguir traduzir a intimidade que o texto de Manoel Carlos leva ao telespectador. O diretor optou por privilegiar o plano-seqüência – em que uma seqüência é filmada sem cortes – para interferir pouco nas cenas. Os capítulos foram pontuados por stock shots – imagens de arquivo – com personagens e cenários típicos do Leblon.
- A Videographics – divisão de design da Rede Globo, sob o comando de Hans Donner – criou uma abertura para a novela em que fotografias e pinturas impressionistas se fundiam para retratar paisagens do Leblon, ao som de Corcovado, de Tom Jobim, em uma gravação de Stan Getz, Astrud e João Gilberto.

Curiosidades:
- Manoel Carlos conta que a idéia central de Laços de família foi tirada de uma notícia de jornal: nos Estados Unidos, em 1990, a mãe de uma jovem com leucemia engravidou para salvar a filha, e conseguiu. A história parecia tão boa que o autor deu como certa sua adaptação pelos estúdios de cinema. Quatro anos depois, nem sinal de um filme sobre o assunto. Em 1995, o escritor resolveu resgatar a história, encomendou uma pesquisa completa e escreveu a sinopse. O sacrifício da mãe pela filha – é um dos temas caros ao autor. Ele já havia explorado situações semelhantes nas novelas História de amor (1995) e Por amor (1997).

- Já Capitu, a polêmica personagem vivida por Giovana Antonelli, foi inspirada em uma reportagem que o jornalista Gilberto Dimenstein publicou na Folha de S. Paulo, sobre o grande número de garotas de programa nas faculdades do Rio de Janeiro e São Paulo. Manoel Carlosconta que também providenciou ampla pesquisa sobre o assunto e chegou a entrevistar dezenas de jovens universitárias que se prostituíam.
- Manoel Carlos fez uma rápida aparição no primeiro capítulo de Laços de família, na cena em que Miguel é apresentado aos telespectadores. Quando o personagem entra na Livraria Dom Casmurro, passa rapidamente pelo autor da novela, que passeia entre as estantes, e o cumprimenta com a cabeça.

- Marieta Severo foi eleita pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) a melhor atriz do ano 2000, por seu desempenho no papel de Alma. O prêmio de revelação foi entregue à Julia Feldens, que viveu a rebelde Ciça. No ano seguinte, Manoel Carlos recebeu do Sindicato Nacional dos Editores de Livros o Prêmio José Olympio.
- Laços de família abordou temas relacionados a valores familiares tradicionais e, por conta disso, sofreu resistência por parte da Igreja, do Juizado de Menores e do Ministério da Justiça. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por exemplo, proibiu a produção de usar qualquer uma de suas paróquias como locação da cena do casamento de Edu e Camila. O juiz Siro Darlan, da 1ª Vara da Infância e Juventude, avaliou que a trama não era adequada ao horário, e a novela teve de ser exibida a partir das 21h. Também por determinação do juiz, os atores com menos de 18 anos foram afastados temporariamente das gravações. Darlan alegava que as cenas da novela expressavam “conotação sexual” e “violência” excessivos para as crianças e que elas eram submetidas a “longas jornadas de trabalho”. A Rede Globo recorreu da decisão e, sob determinações e critérios da Justiça, o elenco voltou a gravar.

- Laços de família já foi vendida para mais de 65 países, entre eles Bolívia, Chile, Grécia, França, Honduras, Iugoslávia, Portugal e Rússia. Durante a exibição da novela pela Telemundo, nos EUA, foi realizada campanha de doação de medula óssea – denominada Regala Esperanza, regala vida – a exemplo do que aconteceu no Brasil.
- Laços de família foi reapresentada, no Vale a pena ver de novo, a partir de fevereiro de 2005.

Merchandising social:
- Devido à novela Laços de família, a Rede Globo ganhou o mais importante prêmio de responsabilidade social do mundo: o BitC Awards for Excellence 2001, na categoria Global Leadership Award. A emissora concorreu com inserções das campanhas sociais que realizou durante a programação do ano 2000. O destaque era o chamado “Efeito Camila” – o aumento significativo no número de doadores de sangue, órgãos e, sobretudo, de medula óssea, movidos pelo drama da personagem de Carolina Dieckmann. As imagens de Camila tendo os cabelos tosados como conseqüência do tratamento da leucemia foram usadas mais tarde em uma campanha da Rede Globo pela doação de medula.

Nas semanas que se seguiram ao capítulo final de Laços de família, o Instituto Nacional do Câncer registrou 149 novos cadastramentos. Antes, o índice era de dez por mês.
- Laços de família marcou o retorno do ator Flávio Silvino à televisão após sete anos de afastamento devido a um acidente de carro. Manoel Carlos escreveu para ele o personagem Paulo, um jovem com seqüelas semelhantes às do ator, e pode assim falar sobre o cotidiano e a dura luta de um jovem com dificuldades motoras para superar suas próprias limitações.
- Manoel Carlos também escreveu cenas que ajudaram na campanha de Solidariedade e Cidadania, atendendo ao pedido da então primeira-dama Ruth Cardoso.
- A impotência masculina também foi um tema discutido em Laços de família. Por meio do personagem Viriato (Zé Victor Castiel) – um marido alegre e boa-gente que vai se afundando em depressão ao perceber que não consegue mais se relacionar sexualmente com a esposa, Ivete (Soraya Ravenle), assistente de Helena na clínica –, a novela esclareceu dúvidas e preconceitos sobre a questão.
- O personagem Miguel, dono de uma livraria e amante dos livros, chamava a atenção para a importância da leitura e divulgava livros novos e antigos.

Trilha sonora:
- A trilha sonora de Laços de família teve produção musical de Alberto Rosenblit e Rubem Barra, e direção musical de Mariozinho Rocha. Entre suas 15 faixas, destacam-se, além do tema de abertura, a gravação de Caetano Veloso para Samba de verão, de Marcos Valle e Paulo César Valle; Baby, música de Caetano, gravada pelos Mutantes; e a Balada do amor inabalável, de Samuel Rosa e Fausto Fawcett, grande hit do Skank naquele ano.