Documentário traz de volta a saudosa TV Manchete - Confira o Teaser

domingo, 12 de abril de 2009

MEMÓRIA DA TV - PROGRAMAS: ARMAÇÃO ILIMITADA

TV Globo.

Autoria: Antonio Calmon, Patricya Travassos, Euclydes Marinho, Nelson Motta Christine Nazareth e Daniel Más; [a partir de 1986] Vinícius Vianna e Charles Peixoto; [a partir de 1987] Mauro Rasi, Vicente Pereira, Maria Carmem Barbosa e Guel Arraes
Direção: Guel Arraes, Ignácio Coqueiro, José Lavigne, Paulo Afonso Grisolli
Direção geral: Guel Arraes [1985-1988], Mário Márcio Bandarra
Período de exibição: 17/05/1985 – 08/12/1988
Horário: sexta, às 21h20
Nº de episódios: 40
Kadu Moliterno, Andréa Beltrão,  André di Biasi e Jonas Torres. Bazilio Calazans/ TV Globo.

Trama/ Personagens:
- Um dos programas mais influentes na história recente da TV brasileira, Armação ilimitada foi um marco de criatividade e ousadia ao usar a linguagem vertiginosa dos videoclipes e múltiplas referências à cultura pop.
- Em 1985, o regime militar dava seus últimos suspiros e, mesmo ainda existindo censura, havia uma expectativa de liberdade e democracia no ar. Esse clima de euforia que parecia contagiar o Brasil foi o principal combustível dos criadores do seriado, que queriam dizer de uma só vez tudo o que não podia ser dito antes na televisão. O trio de protagonistas já era, em si, uma ousadia completa para o veículo: dois jovens dividiam oficialmente, e sem problemas, a mesma namorada, uma alusão ao filme Jules et Jim, de Truffaut.
- Juba (Kadu Moliterno) e Lula (André de Biasi) são sócios na Armação Ilimitada, uma empresa prestadora de serviços, e topam qualquer desafio: de competições esportivas a cenas arriscadas como dublês de anúncios para a TV, do conserto de um toca-discos até a redação de um discurso para o presidente da República. Os dois moram juntos em um estúdio de TV abandonado, onde vivem cercados de mulheres bonitas, praticam esportes e levam uma vida saudável. Amigos desde infância, se orgulham da lealdade e confiança que depositam um no outro até que conhecem e se apaixonam pela jovem repórter Zelda Scott (Andréa Beltrão).

Andréa Beltrão. Frame de vídeo/ titularidade TV Globo.

- Inteligente, bonita e idealista, Zelda acaba de chegar da França, onde se formou em jornalismo na Sorbonne e viveu com o Pai (Paulo José), um político exilado. No Brasil, ela divide o apartamento com a fogosa Ronalda Cristina (Catarina Abdala) e trabalha no jornal Correio do crepúsculo, comandado pelo seu tirânico Chefe (Francisco Milani). Enviada para escrever um perfil de Juba e Lula, Zelda acaba apaixonada pelos dois. Incapaz de se decidir, conclui que o melhor é amar os dois ao mesmo tempo.
- Para Juba e Lula, a coisa não é tão simples e só depois de quase se matarem em uma disputa pelo amor de Zelda, eles decidem preservar a amizade. O trio passa, então, a ter um bem-resolvido relacionamento amoroso. No episódio O surfista e o milionário, Zelda afirma que quer ficar com Juba e Lula após ser salva pela dupla. Alguns episódios depois, adotam Bacana (Jonas Torres), um garoto esperto que perdeu os pais, que eram artistas de circo. Em pouco tempo, ele revela ter o mesmo espírito aventureiro dos pais adotivos.
- As aventuras dos heróis de Armação ilimitada eram baseadas na atualidade e no estilo de vida dos jovens, com roteiros que absorviam todos os clichês dos filmes de ação, ficção científica e aventura. Em quatro temporadas, Juba, Lula e companhia lidam com agentes secretos, sósias, vampiros sereias, políticos corruptos, clones de Magnum e James Bond, super-heróis, bandas de rock, motociclistas, mulheres fatais e monstros.

Francisco Milani. Frame de vídeo/ titularidade TV Globo.

- Para os autores, tão importante quanto as histórias era determinar a maneira como elas seriam contadas. Em texto e imagem, eles abusavam de experimentações narrativas e de um humor anárquico, sem maior compromisso com a dramaturgia convencional da televisão.
- O seriado tinha o seu próprio menestrel na figura do DJ Black Boy (que, apesar do nome, era interpretado por uma mulher, a atriz Nara Gil). De seu estúdio na Rádio Atividade, ele interrompia um episódio várias vezes para fazer comentários sobre a história, num misto de locução de rádio e rap: “É como já dizia o velho Charles:/bandeira pouca é bobagem/mais ovo e menos galinhagem/entra no ar o rádio com imagem”.
- Em alguns episódios, Zelda aparecia completamente nua, com tarjas pretas cobrindo suas partes íntimas. Em outros, quando um personagem falava um palavrão, o áudio era suspenso e um balão de histórias em quadrinhos com símbolos e caracteres cifrados surgia sobre sua cabeça. A qualquer momento, um personagem podia se virar para a câmera e fazer um comentário sobre a qualidade do script do programa. No primeiro episódio, Um triângulo de bermudas, Juba despenca de um penhasco durante um racha de motocicleta e morre. No final do episódio, ressurgia e se desculpava com o público dizendo que era tudo brincadeira, “só um seriado de televisão”. Tudo absolutamente inovador para a época.
- As brincadeiras com a linguagem davam um tom quase surrealista a algumas cenas.

Andréa Beltrão. Frame de vídeo/ titularidade TV Globo.

O Chefe, por exemplo, surgia sempre caricaturado de acordo com o contexto específico de cada cena com Zelda. Toda a realidade ao redor do personagem podia ser transformada à menção de uma palavra ou expressão. Se dissesse que estava no “fundo do poço” podia ser a senha para que imediatamente ele surgisse no fundo de um poço de verdade, assim como “sombra e água fresca” podia transportá-lo a uma praia paradisíaca. Quando se encontrava no escritório despachando assuntos do jornal, o Chefe aparecia vestido de Pai-de-Santo em um terreiro de Candomblé. E tudo isso podia acontecer durante uma mesma cena.
- Armação ilimitada foi criado a partir de uma idéia dos atores Kadu Moliterno e André de Biasi, que haviam trabalhado juntos na novela Partido alto (1984), e se encontravam freqüentemente na praia para surfar. Eles queriam fazer um seriado de TV que misturasse esportes, romance e aventura, com uma linguagem jovem. Em 1985, os atores conversaram sobre o programa com o diretor Daniel Filho, que resolveu apostar no projeto.

Andréa Beltrão, Kadu Moliterno, André di Biasi, Catarina Abdalla e Jonas Torres. Cedoc/ TV Globo.

- O primeiro passo era ampliar o conceito do seriado para um público mais amplo do que os amantes do surfe. Para a missão foi convocado o autor Antonio Calmon, que escrevera e dirigira os filmes Menino do Rio (1981) – com André de Biasi no elenco – e Garota dourada (1984), e tinha intimidade com aquele universo. A ele se uniram a atriz e escritora Patricya Travassos, integrante do famoso grupo de teatro Asdrúbal Trouxe o Trombone e letrista da Blitz; o dramaturgo Euclydes Marinho, que já havia assinado os textos de seriados de grande sucesso como Ciranda, cirandinha (1978) e Malu mulher (1978); e o produtor musical Nelson Motta. Os dois últimos moravam na Itália e não tinham planos de voltar em definitivo para o Brasil, mas, recrutados pessoalmente por Daniel Filho, aceitaram colaborar com os quatro primeiros episódios do seriado. Depois foram substituídos por Daniel Más.
- A direção foi entregue a Guel Arraes, que dirigira com Jorge Fernando a novela Vereda tropical (1984), de Silvio de Abreu. O diretor conta que, a princípio, não se identificou com o seriado, que achava muito ligado ao universo dos surfistas e ao estilo de vida carioca.

André di Biasi, Andréa Beltrão e Kadu Moliterno. Cedoc/ TV Globo.

Convencido por Daniel Filho, em pouco tempo, criou a linguagem e o modo de produção do programa, que remetia ao usado no cinema. Armação ilimitada era gravado com uma só câmera. Era a primeira vez que isso era feito na TV Globo, onde normalmente se usavam quatro câmeras. A iluminação ficou a cargo do diretor de fotografia Nonato Estrela, profissional de cinema praticamente estreante em televisão.
- Grandes mudanças vieram na quarta temporada: Zelda deixou o jornalismo, envolvendo-se em outras atividades, embora seu Chefe continuasse o mesmo. Bacana entrou para a escola e formou uma turma de amigos.
- No primeiro ano, Armação ilimitada integrava a Sexta super, faixa de programação noturna da TV Globo, e era exibido uma vez por mês, em episódios de 45 minutos de duração. Em 1986, passou ir ao ar quinzenalmente e a ser reprisado durante as férias de verão.

Andréa Beltrão. Frame de vídeo/ titularidade TV Globo.

- A lista de episódios de Armação ilimitada é: Um triângulo de bermudas; Vida de Tiete; Se a canoa não virar; O prefeitável; O corcel malhadão; Nas malhas da rede; O caso Júnior Filho; O melhor de todos; O surfista e o milionário; A bruxa; Uma dupla do peru; Os olhos de Zelda Scott; Jambo para matar; O canto da sereia; Meu amigo Mignum; É o fim do mundo; A outra; Muito além da armação; Contatos imediatos do 4º grau; O fantasma do rock; Jararaca, o cabra; Perdidos na selva; Verão 87; A dama de couro; Sua majestade, o neném; Drácula não morreu; Um programa de índio; O homem invisível; Jeca Tatu, cotia não; O menino que virou lama; O pai do Bacana; Uma armação nas estrelas; Quando as máquinas piram; O poderoso sultão; 000007 contra o Doutor Fantástico; O cavalo branco de Napoleão; Bacana, a alegria do povo; Hoje é dia de rock; Totalmente demais; e A maior onda.

Andréa Beltrão. Frame de vídeo/ titularidade TV Globo.

Produção:
- Cada episódio levava, em média, 12 dias para ser gravado, o que é muito tempo em televisão. O custo, entretanto, não era alto, porque a equipe de produção usava poucos recursos e muita criatividade para fazer o programa. O estúdio de TV em que Juba e Lula moravam, por exemplo, era um estúdio abandonado nas instalações da TV Globo, que o cenógrafo Luís Antônio Caligiuri transformou em cenário deixando à mostra elementos dos bastidores da televisão. O carro que os dois personagens usavam nas cenas de ação era o mesmo que a equipe de produção usava para visitar as locações do seriado. Boa parte delas sugerida pelos próprios Kadu Moliterno e André de Biasi.
- Esse formato de produção permitiu que a equipe de criação gastasse mais tempo com o texto do seriado. As limitações da produção eram, inclusive, transformadas em piada pelos roteristas. Muitas vezes, durante uma seqüência de ação em que tinham que executar uma manobra mais mirabolante, Juba e Lula olhavam para a câmera e, dirigindo-se ao telespectador, informavam que não seria possível continuar a cena por falta de recursos de produção.

Francisco Milani. Frame de vídeo/ titularidade TV Globo.

- Guel Arraes atribui boa parte do sucesso de Armação ilimitada à linguagem inovadora do programa – ágil, similar a dos videoclipes que começavam a se tornar populares no Brasil naquela época – e à edição de João Paulo de Carvalho. Segundo o diretor, com freqüência o resultado final era tão surpreendente que, muitas vezes, ele não se lembrava de sequer ter gravado aquelas imagens.

Curiosidades:
- O título do seriado nasceu de um jogo de palavras com “ar”, “mar” e “ação” associados à gíria “armação”, que surgia na época.
- A vontade dos roteiristas de Armação ilimitada de forçar os limites estabelecidos pela censura era tanta que muitas vezes se traduzia em exagero. Nelson Motta lembra de um bom exemplo de um desses momentos. Para o primeiro episódio do seriado, ele havia escrito uma cena em que o elenco se juntava a artistas como Rita Lee e Cazuza para acompanhar o cantor Caetano Veloso em uma interpretação de sua canção Merda. A letra da música fazia referência à maneira como os artistas de teatro se cumprimentavam antes de entrar em cena e tinha versos como: “Merda!/Merda pra você!/Desejo merda/Merda pra você também/Diga ‘merda’ e tudo bem/Merda toda noite/e sempre a merda”. A cena nunca foi liberada para a exibição. O próprio Nelson Motta admite, olhando para trás, que de fato seria absurdo o Brasil inteiro assistir àquela cena, às 21 horas.

http://oglobo.globo.com/fotos/2007/07/23/23_MVG_cult_ilimitada89.jpg
- Ainda no primeiro ano de exibição, Armação ilimitada ganhou o prêmio Ondas de melhor série para televisão, concedido pela Sociedade Espanhola de Rádio e Televisão, em Barcelona. O prêmio era considerado o “Oscar” europeu da televisão e só havia sido entregue, até então, a duas produções brasileiras: o seriado Malu mulher, em 1979, e Morte e vida Severina, episódio do Caso especial, em 1981.
- Várias das cenas de ação protagonizadas por Juba e Lula eram sugeridas por André de Biasi e Kadu Moliterno e realizadas com a ajuda de amigos dos atores. Kadu Moliterno conta que chegou a quebrar duas costelas, perder dois dentes e receber 13 pontos na perna, até ser proibido pela emissora de realizar cenas de ação sem dublês.
- No episódio Um programa de índio, os personagens vão parar numa aldeia indígena. Andréa Beltrão, André de Biasi, Catarina Abdala e Kadu Moliterno decidiram fazer todas as cenas completamente nus para aumentar o efeito causado pelas tarjas pretas que eram acrescentadas mais tarde na edição.

http://www.teledramaturgia.com.br/images/armacao.jpg
- As calças com tecidos camuflados ao estilo militar usadas por André de Biase e Kadu Moliterno viraram moda no Saara, região do centro do Rio de Janeiro que concentra várias lojas de apelo popular, onde eram vendidas como “calças de Juba e Lula”.
- Armação ilimitada foi vendido para a Argentina, Chile, Portugal, França, Mônaco, Bélgica e Alemanha, entre outros países.
- O seriado deixou de ser exibida em dezembro de 1988. Em 1990, foi reapresentado no Festival 25 anos da TV Globo.
- Kadu Moliterno e André de Biasi estrelaram, em junho de 1989, o programa Juba & Lula. O programa ficou poucas semanas no ar.
http://www.infancia80.com.br/cinetv/armacao03.jpg
Trilha sonora:
- Lançada em 1985, quando uma nova geração de bandas do rock começava a surgir e a se firmar no cenário musical brasileiro, a trilha sonora de Armação ilimitada – com direção musical de Nelson Motta – trazia faixas de nomes como Ultraje À Rigor e Gang 90 e as Absurdettes. O disco trazia ainda o Tema de Armação Ilimitada, faixa instrumental composta e executada por Ari Mendes. A música tem um riff de guitarra quase idêntico ao de Say What You Will, faixa que está no disco de estréia da banda americana Fastway, lançado em 1983.
- Uma nova trilha foi lançada em 1988, com várias bandas já consagradas do rock brasileiro, como Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii e Hojerizah. Outro destaque era a versão de Léo Jayme para Gatinha manhosa, sucesso da Jovem Guarda, composta por Roberto e Erasmo Carlos.
- Embora não aparecessem nos discos com a trilha sonora, bandas como a Blitz – que além de ser um dos principais expoentes do novo rock, tinha uma estética remetendo às histórias em quadrinhos que combinava com a de Armação ilimitada – tinham músicas em vários episódios. O autor Antonio Calmon conta que participava da criação dos temas, aproveitando sua experiência com mixagem de cinema, e que escrevia os roteiros já tendo em mente as músicas que usaria em cada episódio. A música original do seriado era responsabilidade de Alexandre Agra.

http://g1.globo.com/Noticias/PopArte/foto/0,,11290931-EX,00.jpg

Nenhum comentário:

Postar um comentário