Documentário traz de volta a saudosa TV Manchete - Confira o Teaser

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Conheça a usina que enriquece urânio em Resende

Novas usinas, biombos, segurança máxima, o submarino, a espionagem industrial, uma briga internacional: Galileu visitou as instalações de enriquecimento de urânio em Resende, RJ, para traçar o tortuoso caminho que pode levar o País a ser uma potência atômica

UNIFORMES: o uso de cor branca é obrigatório entre funcionários e visitantes para facilitar a detecção de resíduos. A exposição prolongada ao urânio enriquecido pode causar queimaduras e até câncer
Numa era abarrotada de imagens digitais, as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) lutam pelo direito à invisibilidade. Na entrada das instalações que a estatal possui perto de Resende, cidade a 146 quilômetros do Rio de Janeiro, uma placa afixada no portão principal avisa que lá dentro é proibido o uso de filmadoras, máquinas fotográficas, CDs, gravadores, pendrives, celulares com câmera e laptops. Quem chega à portaria carregando alguns desses itens é convidado a declará-los e entregá-los à segurança. Sacolas, bolsas e até motores de veículos são revistados. Só por garantia.

A explicação para tanta aversão à informação visual fica a 3 quilômetros dali, no edifício de fabricação de combustível. No final de um dos corredores internos, há uma portaria envidraçada, onde se encontra outra placa. Mede 1 por 6 metros, tem fundo amarelo e um texto curto que pode ajudar a definir o futuro energético do País: "Enriquecimento tópico de urânio".

O objetivo do aparato de segurança é garantir que o mundo, ou pelo menos a maior parte dele, continue ignorando o aspecto das ultracentrífugas que operam no local. O equipamento é peça fundamental para a produção de urânio enriquecido, o elemento crítico para o desenvolvimento da energia nuclear e que o Brasil será capaz de produzir em larga escala a partir deste ano.

Funcionário abre filtro durante a etapa de reconversão do urânio, que atualmente é enriquecido no exterior

Depois que o aquecimento global transformou em vilãs as usinas movidas a carvão - responsáveis por gerar a maior parte da eletricidade usada no mundo -, o debate sobre o aumento no uso do poder atômico tem sido travado em diversos pontos do globo. A Índia está construindo quatro novas usinas; a China, cinco. Os EUA voltaram a debater o assunto após mais de 30 anos sem planejar nenhum novo reator.

"Hoje a energia nuclear é vista como uma alternativa para limitar as emissões de CO². Nosso interesse está dentro dessa tendência mundial", diz Drausio Atalla, supervisor da presidência da Eletronuclear, empresa estatal responsável pelas futuras obras de Angra 3 e das quatro novas usinas que o Brasil pretende montar até 2030, ao custo de mais de R$ 20 bilhões.

PARA REDUZIR O RISCO DE CONTATO HUMANO COM ELEMENTOS RADIOATIVOS, 95% DO PROCESSO É AUTOMATIZADO

A ampliação das atividades em Resende é mais um sinal do interesse manifestado pelo governo Lula em revitalizar o programa nuclear brasileiro. Em 2007, o Conselho Nacional de Política Energética, órgão que formula as diretrizes para o setor no País, havia decidido pela conclusão da usina de Angra 3 (que sequer foi iniciada até hoje, apesar de o equipamento necessário ter sido comprado há décadas e de consumir US$ 20 milhões ao ano só com manutenção).

Amostras do minério em diferentes momentos do processo de reconversão: à esquerda, dióxido de urânio. À direita, tricarbonato de amônia e uranila, o TCAU, de cor amarela

Em julho do ano passado, o poder executivo organizou o Comitê de Desenvolvimento do Programa Nuclear Brasileiro, ao qual confiou a missão de estabelecer novas metas para o setor. O trabalho foi entregue apenas 45 dias depois e, se implantado, resultará num salto no uso e na infraestrutura nuclear, desde a etapa de prospecção, processamento e enriquecimento de urânio até a manipulação do lixo radioativo, passando por áreas como defesa nacional.

"A construção de novas usinas vai gerar o crescimento na produção de energia. E, para atender a esse crescimento, é natural que as demais etapas do processo também se desenvolvam", diz Atalla. Mas ele acredita em possibilidades maiores. "Com o aumento no uso da energia nuclear, haverá maior procura pelo urânio enriquecido. Eventualmente, o Brasil pode se tornar até mesmo exportador."

.
A TRAJETÓRIA VERDE-AMARELA: 75 anos de brigas com americanos, viagens secretas, negócios com a Alemanha e sigilo industrial
1934>>> USP realiza os primeiros estudos sobre uso da energia nuclear
1947>>> O Brasil cria a Comissão de Fiscalização de Minerais Estratégicos, para monitorar a exportação aos EUA de areia monazítica, rica em tório. O País propõe que, em troca do minério, os americanos repassem tecnologia nuclear, mas eles se recusam
1951>>> Por sugestão da comissão, é criado o Conselho Nacional de Pesquisas, CNPq, que herda a administração das reservas de urânio e tório. Álvaro Mota é o primeiro presidente
1954>>> Em viagem secreta à Europa, Álvaro Mota negocia com franceses a compra de uma usina de produção de yellow cake, o urânio livre de impurezas. Na Alemanha, adquire três centrífugas por US$ 80 mil. Na véspera de seu retorno, o equipamento é apreendido numa operação orquestrada pelos EUA. O fracasso resulta na exoneração de Álvaro Mota
1956>>> Criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear, CNEN. Pesquisas com pequenos reatores, importados dos EUA, começam em sete Estados
1967>>> O Brasil decide construir uma usina atômica em Angra. A empresa americana Westinghouse é escolhida em1972 para tocar a obra. O acordo não prevê transferência de tecnologia, o que gera insatisfação em setores da comunidade nuclear brasileira
1967>>> O Brasil assina o Tratado de Tlateloco, no qual se compromete a não construir armas atômicas. O documento, porém, permite o uso da energia nuclear para fins militares, que será um dos objetivos dos governos durante a ditadura
1971>>> A CNEN cria a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear para dominar todas as etapas de produção do ciclo do urânio. Inicia conversações secretas com a Alemanha para a transferência de tecnologia de enriquecimento por ultracentrifugação
1975>>> O acordo com a Alemanha prevê a construção de oito reatores e uma usina de combustível nuclear. Na última hora, por pressão internacional, o país trocou a tecnologia de ultracentrifugação pela de enriquecimento por jato, ainda em estado experimental
1977>>> Tentando mudar o perfil do acordo, os EUA ameaçam Brasil e Alemanha com sanções, sem sucesso
1979>>> Em segredo, a Marinha começa a desenvolver um programa nuclear paralelo, sob o comando do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, para dominar o processo de enriquecimento por centrifugação e construir um submarino atômico
1981>>> A Marinha firma um convênio com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares da USP, que será um dos principais centros desenvolvedores de tecnologia do programa paralelo
1982>>> Primeiro experimento de enriquecimento de urânio por centrifugação, realizado pelo Centro Tecnológico da Marinha
1987>>> A fim de preservar o sigilo, só cinco anos após os primeiros experimentos é que o então presidente da República, José Sarney, anuncia em cadeia de rádio e TV que a pesquisa da Marinha mostrou-se bem-sucedida
1988>>> Um decreto-lei torna oficial todo o programa nuclear paralelo, acabando com seu caráter sigiloso
1995-2002>>> Devido ao corte de verbas, a Marinha transfere para as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) as centrífugas já concluídas e que formarão a base para a construção da Fábrica de Combustível Nuclear de Resende (FCN)
2004>>> A Agência Internacional de Energia Atômica inicia a negociação para inspecionar as centrífugas de Resende. Em abril, polêmica entre a AIEA e o Brasil chega à imprensa. A inspeção ocorre em novembro, e a agência autoriza o funcionamento da FCN

Nenhum comentário:

Postar um comentário