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sábado, 11 de abril de 2009

PARA CIENTISTAS ANIMAIS PODEM TER ORGASMOS

Animais tântricos

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Quando começou a estudar psicologia na faculdade, minha então namorada (e hoje querida esposa) teve um professor completamente cético em relação ao prazer sexual no reino animal. Lembro que fiquei coçando a cabeça quando ela relatou esse pedaço da aula do sujeito. Segundo o professor, apenas “o macaco” (mas qual deles? Eis aí alguém sem muita noção sobre a diversidade de primatas no mundo – existem mais de 90 espécies de macacos só no Brasil) conseguia ter orgasmos. O resto dos bichos teria de se contentar em ir para a alcova “por instinto”. Será mesmo?

Acho que temos dois problemas diferentes mas relacionados a resolver antes de considerar essa perguntinha respondida. O primeiro, e definitivamente o mais chatinho, tem a ver com o que a gente percebe subjetivamente como prazer. Como ter certeza de que aquilo que você chama de sensação prazerosa é idêntico, do ponto de vista qualitativo, ao que outra pessoa (ou animal!) sente numa situação parecida? Vamos deixar esse para depois e nos concentrar no segundo problema, mais fácil de atacar: a definição de instinto.

Minha impressão é que, nesse ponto, as pessoas comuns ainda sofrem a influência perniciosa de uma tradição filosófica que tende a ver os animais como robozinhos biológicos, os quais agem de acordo com um programa inflexível de busca por alimentação e reprodução. Desculpe, mas simplesmente não é assim que a coisa funciona no mundo real. Nós e os demais bichos podemos até ser máquinas de sobrevivência, em certo sentido, mas a diferença entre os seres vivos e os computadores burrinhos que normalmente usamos é que a programação biológica é aberta, flexível e dependente do aprendizado. Por isso, é preciso separar as causas imediatas e as causas profundas que explicam um dado comportamento.

Intrinsecamente gostoso?

Sendo um pouco menos impalpável, considere o seguinte: por que você se alimenta? Em última instância, porque seu corpo precisa da comida para sobreviver e armazenar energia para produzir outros corpos parecidos com o seu por meio da reprodução. Beleza. Mas seria muito pouco prático, e até perigoso, se o seu “instinto” de alimentação fosse uma diretriz férrea do tipo “coma qualquer coisa que se mexer, em quaisquer oportunidades que tiver”. Receita para a obesidade mórbida, na melhor das hipóteses.

É claro que isso vale para o sexo também. Tanto na mesa quanto na cama, dependemos de sistemas de aprendizado e reforço para fazer a coisa certa. (Ou a coisa errada. Você entendeu, vai.) Essa é a melhor maneira de entender o que nós chamamos de prazer. Para qualquer criatura com sistema nervoso (ou, no mínimo, para seres dotados de sistema nervoso razoavelmente complexo, como os vertebrados), o prazer é um incentivo, ou uma “propina” do cérebro, para que o comportamento benéfico seja praticado. A saciedade, seja digestiva, seja sexual, vem quando, do ponto de vista biológico, já não vale mais a pena investir em alimentação, ou sexo, ou qualquer outra coisa.

Olhando a coisa toda por esse ângulo, as explicações baseadas no simples “instinto” não fazem muito sentido. Não há nada de intrinsecamente gostoso numa barra de chocolate, assim como não há nada de intrinsecamente sexy em seios fartos ou num torso masculino musculoso. Para as fêmeas de mandril (um macaco aparentado aos babuínos), os rapazes precisam ter o traseiro tingido de fortes tons de vermelho e azul para serem considerados gatinhos. Em cada caso, os benefícios biológicos reais – chocolates estão cheios de calorias preciosas, seios fartos ou músculos durinhos são sinais de saúde – funcionam como estímulos que o cérebro de cada espécie está preparado para interpretar como prazerosos. Podemos chamar isso de instinto, sem dúvida, mas a tendência por trás da preferência por comida calórica ou parceiros “malhados” está ligada ao prazer que essas experiências proporcionam, e a sensação prazerosa é a causa imediata de elas continuarem a ser buscadas.

O clitóris da vaca
Tendo dito tudo isso, acho que podemos passar ao que interessa: os indícios de prazer sexual no reino animal. E, de fato, ao contrário da crença popular, eles são numerosos. Para ficar só nos mamíferos, animais como vacas e éguas possuem clitóris, tal como fêmeas humanas, e a eficiência da inseminação artificial pode ser aumentada se essas regiões forem estimuladas, presumivelmente porque o processo leva a contrações vaginais prazerosas, as quais carregam o esperma com mais facilidade rumo ao útero.

Na grande maioria dos vertebrados terrestres, em especial aves e mamíferos, detalhes como expressões faciais, relaxamento muscular e movimentos do corpo indicam fortemente a presença de prazer intenso durante a cópula, ainda que o orgasmo propriamente dito seja difícil de medir de forma direta. E, embora seja um tanto constrangedor, também é importante lembrar que animais de ambos os sexos, na falta de um parceiro adequado, também se masturbam – tartarugas domésticas são famosas nesse quesito. Isso sem falar no comportamento homossexual, hoje já documentado em cerca de 1.500 espécies animais.

Mas e o famoso cio? Se muitos animais só se interessem por sexo durante uma determinada época do ano, isso não prova que a atividade sexual para eles é “apenas para reprodução”? Sim e não, nobre leitor. Primeiro, uma coisa pode muito bem andar de mãos dadas com a outra: não é porque a atividade sexual está concentrada nas épocas que oferecem melhor chance de fecundação que ela não é percebida por seus praticantes como prazerosa. Em segundo lugar, é preciso considerar as necessidades ambientais e sociais de cada bicho. Lobos, por exemplo, não fazem sexo no verão porque seus filhotes nasceriam no inverno – o que aumentaria exponencialmente a mortalidade infantil da espécie. E, claro, a atividade exige um dispêndio de energia que pode deixar os bichos vulneráveis a um predador.

Mesmo assim, é possível encontrar na natureza espécies para as quais, como entre nós, quase “toda hora é hora”, se é que você me entende. Os mais famosos são os bonobos ou chimpanzés-pigmeus (Pan paniscus), primos da humanidade que, pelo visto, levam uma vida de luxúria e fantasia na floresta equatorial do Congo. O sexo para os bonobos parece quase uma extensão da vida social, servindo para aliviar tensões e cimentar alianças – macho com macho, fêmea com fêmea, filhotes com adultos, e por aí vai. Algumas espécies de golfinhos parecem seguir esse estilo de vida também.

Temos boas razões para achar que os bichos sentem prazer sexual de maneira parecida com a nossa? A resposta é “provavelmente sim”. Os centros cerebrais do prazer estão no chamado núcleo acumbente, região primitiva do cérebro que está mais ou menos inalterada em grande parte dos vertebrados. Fica mais difícil fazer analogias no caso de criaturas com sistema nervoso muito diferente do nosso, como insetos e crustáceos. Mas, considerando a ideia dos incentivos comportamentais que vimos acima, algum tipo de prazer eles devem experimentar.

Mas ele é idêntico ao nosso? No fundo, essa questão é irrespondível, até porque não somos nem capazes de dizer que as sensações de outro ser humano, nos mesmos contextos, são “idênticas” às nossas. É até provável que a complexidade da nossa consciência e imaginação amplifique (e complique) o prazer que sentimos, mas não temos boas razões para acreditar que ela nos separe de forma muito clara do resto dos seres vivos.

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