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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Chega de pensamento positivo

Pesquisadores canadenses demonstram que ele até dá resultado. Só há um problema: é o resultado oposto
ilustração sobre foto

Esta é a melhor reportagem de toda esta revista. Não, ainda não é o suficiente: esta é a melhor reportagem que você já leu em sua vida.

Eu não sei que efeito essas frases tiveram sobre você, mas para mim o resultado de dizê-las em voz alta foi tornar a tarefa de escrever esta reportagem mais difícil, e não mais fácil. Deve ser isso que três pesquisadores canadenses queriam dizer com um estudo publicado recentemente no jornal Psychological Science.

Eles resolveram testar a extraordinária tese de que o pensamento positivo faz as pessoas se sentirem melhor – e elas acabam por produzir mais, conquistar seus objetivos, viver melhor. Não há dúvida de que o pensamento positivo deu certo para o pastor americano Norman Vincent Peale. Em 1952, ele escreveu O poder do pensamento positivo e praticamente inaugurou um veio bilionário da psicologia e do mercado de autoajuda.

E agora a pesquisa canadense, feita com jovens universitários, comprovou que, sim, tecer elogios a si próprio dá resultado. Infelizmente, não é o resultado esperado. As palavras doces (“eu sou uma pessoa adorável”) ditas em voz alta até beneficiaram, modestamente, quem já apresentava autoestima elevada. Mas pioraram bastante a autoimagem de quem mais precisava de uma forcinha. Quem tinha autoestima reduzida – medida por um questionário-padrão desenvolvido nos anos 60 – saiu pior ainda da experiência. “Não é que o pensamento positivo baixe a autoestima em geral, mas ele pode prejudicar alguns indivíduos – de cara, aqueles que já têm baixa autoestima”, disse a ÉPOCA uma das autoras do estudo, Elaine Perunovic, ph.D. em psicologia e professora na Universidade de New Brunswick.

Uma das explicações dos autores é que, quando ouvimos afirmações radicalmente opostas àquelas em que acreditamos, nós não apenas nos mostramos céticos, como tendemos a aderir com ainda mais força nossa posição original. Um socialista moderado, ao ouvir um amigo tecer loas ao liberalismo, tende a se sentir mais socialista. Um corintiano bissexto, rodeado por palmeirenses numa roda de bar, tende a demonstrar uma paixão inaudita por seu time. E, na opinião dos pesquisadores, uma pessoa que não se considera lá essas coisas, ao ouvir de si própria que é genial, ou linda, ou adorável, tende a achar-se mais desprezível que antes.

“A baixa autoestima é um problema crescente hoje”, diz a psicóloga Cecília Vilhena, professora da PUC de São Paulo. “Mas esse estudo evidencia a inexistência de soluções mágicas e as limitações da autoajuda.” Os especialistas do pensamento positivo, como era de esperar, discordam. “Se eu falo que estou feliz, mas minha voz mostra desânimo, os fatores não verbais não conbinam. Há uma incongruência aí”, diz o psicólogo Alexandre Bortoletto, especialista em neurolinguística, uma técnica que promete “reprogramar” o cérebro do indivíduo (e que usa, como uma de suas bases, o pensamento positivo). “Só pensar não resolve. Não é como disseminou por aí O segredo, que é só pensar e o dinheiro cai do espaço”, afirma Bortoletto, criticando outra linhagem de defensores do autoelogio.

Elogiar-se piorou a autoestima justamente
de quem já não tinha boa imagem de si mesmo

O segredo é um documentário-livro-audiolivro (gravado no Brasil na popularíssima voz da apresentadora de TV Ana Maria Braga) de 2006. Ele tenta fundamentar cientificamente o poder do pensamento positivo. Para os que acreditam em O segredo, esse poder se basearia numa suposta “Lei da Atração”. Por essa lei, pensar num acontecimento contribuiria para sua ocorrência.

É mais ou menos o que faziam 52% dos 249 participantes da primeira fase do estudo canadense. Eles disseram que recorrem ao pensamento positivo com alta frequência (em fórmulas do tipo “eu vou vencer!”), principalmente antes de provas ou apresentações.

Um dos maiores problemas da doutrina do pensamento positivo é que ela propõe agir sobre os efeitos, não sobre as causas.É certo que pessoas com baixa autoestima produzem menos do que são capazes, e estimulá-las é um dos caminhos para que melhorem. Mas o estímulo tem de vir acompanhado de treinamento.

Há uma razão evolucionista para a autoestima, alta ou baixa. Entre galinhas, por exemplo, é comum haver brigas para determinar a hierarquia do grupo. Mas, uma vez estabelecida a posição de cada indivíduo, as brigas rareiam. As galinhas com “baixa autoestima” deixam de levar bicadas desnecessárias das galinhas mais fortes justamente porque encontram sua posição. O grupo inteiro economiza energia. De forma similar, não é bom quando um motorista é confiante o suficiente para rodar a 300 quilômetros por hora no meio da cidade. O melhor é que sua confiança seja construída aos poucos, em pistas preparadas para isso, e ele acabe pilotando um carro de Fórmula 1.

O ideal, portanto, é que tenhamos uma autoestima condizente com nossas capacidades. Ou um pouco acima, para nos incentivar a progredir. “Mas, no mundo de hoje, padrões inatingíveis de estética e sucesso podem levar a pessoa média a desenvolver uma noção de fracasso”, diz a psicóloga Cecília Vilhena. Mais gente com baixa autoestima significa mais gente propensa a tentar o pensamento positivo. Mas lembre-se: não vai dar certo.

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