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sábado, 2 de maio de 2009

Sua vida é uma página da web aberta?

Cada vez mais somos o que clicamos. E nos expomos praticamente o tempo todo que estamos online – nas novas redes sociais ou fora delas

Minha vida nunca foi um livro aberto. Não sou o tipo de cara que conta tudo para os amigos ou que é o primeiro a dar um testemunho pessoal em uma mesa de bar - principalmente se ela estiver repleta de desconhecidos. Na verdade, sou um pouco avesso à ideia de ter minha intimidade invadida. Prefiro o caminho inverso: se eu tiver algo para contar, pode deixar que eu mesmo vou atrás de fazer isso. Mas, desde que me cadastrei no Orkut, em 2004, tenho repensado o meu conceito de privacidade. Ao entrar em uma rede social tive de me acostumar com a possibilidade de ter pelo menos uma página (mesmo que virtual) do livro da minha vida exposta para quem quiser ver.

Havia compensações. Além de rever pessoas com as quais eu tinha perdido contato, eu podia aplacar minha curiosidade sobre a vida alheia. Ver fotos para saber como o tempo mudou a feição de ex-colegas, descobrir se eles estavam casados, onde trabalhavam, o que tinham feito de sua vida. Isso tudo em segredo, sem nenhuma interação social e livre daqueles encontros inevitavelmente sem graça que ocorrem nos corredores dos shoppings.

Mas, se eu fuçava nas páginas alheias, o raciocínio contrário era lógico: minha página provavelmente era bisbilhotada. Estamos na internet para ver e ser vistos. No Orkut ou no Facebook, nos blogs ou no YouTube. É muito difícil (impossível?) escolher apenas um lado dessa moeda (a não ser que você se esconda atrás de um perfil falso, claro). Todo mundo, ao mesmo tempo, é protagonista e espectador do show.

O advento do Twitter - criado em 2006, mas que só recentemente virou febre no Brasil - sugere que cada vez mais gente quer, sim, se expor. No Twitter, uma mistura entre blog e torpedo, você se cadastra, cria sua página e a atualiza com mensagens de até 140 caracteres (como nos celulares). O site propõe a pergunta - 'O que você está fazendo?' - e os usuários respondem: alguns contam o que comeram no almoço, outros comentam notícias que leram e muitos põem ali suas indagações, seu estado de espírito.

E há também, é claro, uma multidão de voyeurs. É possível 'seguir' qualquer um que esteja no Twitter para acompanhar o que ele escreve. Assim que o usuário atualiza algum post, todos os seguidores são avisados. Até quem não está cadastrado na rede pode ter acesso à página de algum twitteiro. Como dá para postar também do celular, a página vira um arquivo instantâneo de ações e pensamentos dos seus mais de 6 milhões de usuários. Atualizados o tempo todo.


ESPONTÂNEO E NATURAL_
Como não faço parte do Twitter, fui em busca de algum usuário da rede que pudesse conversar comigo sobre o tema desta reportagem: exposição online. Com a ajuda de uma amiga, cheguei a Mahira Oliveira, uma publicitária de 24 anos que se cadastrou no Twitter em outubro do ano passado, já postou 1.106 minitextos e segue 163 pessoas. Isso até o fechamento desta edição. Ela também está no Orkut, no Facebook, no Flickr, no Limão e em outras redes que mal conheço. Liguei para ela para falar sobre a entrevista. Mahira me atendeu séria e educada e topou conversar comigo. Assim que cheguei em casa, uma hora após a ligação, fui olhar a página dela. Para minha surpresa, havia um post que dizia assim: 'acabei de ser contatada por um jornalista que está fazendo uma matéria sobre meninas nos tuiter. mas tipo euzinha?? uia!'. Mesmo que indiretamente, eu também estava no Twitter!

'Você sempre acaba entregando muito sobre si mesmo, por mais que tente evitar falar de assuntos pessoais', diz Mahira. 'Se não é para ser espontâneo e natural, então não tem graça!' Para o americano Bill Tancer, um dos maiores especialistas do mundo em dados referentes ao uso da internet, esse conceito do espontâneo e do natural ajuda a explicar o sucesso das redes sociais. No livro Click, recém-lançado pela Editora Globo, ele esmiúça o comportamento dos internautas e mostra que a internet deixou de ser um meio estático para se transformar em uma ferramenta em que todos podem publicar conteúdo e compartilhá-lo com outros. Ou seja, na nova web 2.0, os usuários sentem-se à vontade para falar sobre o que quiserem, da forma que quiserem. Ela passou a ser um campo realmente livre, no qual todos conseguem se expressar.

E não só escrevendo ou postando atualizações nos perfis. Até mesmo nos sites de busca os cliques podem dizer muito sobre quem somos. Para provar, Tancer comparou uma pesquisa sobre os medos dos americanos realizada por quatro instituições, incluindo a Universidade Harvard, aos dados sobre buscas feitas sobre medos na internet. No primeiro caso, foram ouvidas 8 mil pessoas, e os resultados indicaram que as principais fobias eram de: 1o Insetos, cobras e ratos; 2o Altura; 3o Água; 4o Transportes públicos; 5o Tempestades; 6o Espaços fechados. Já as mais procuradas (com a expressão 'medo de...') nos sites dos Estados Unidos no período de um mês eram: 1º Voar; 2º Altura; 3º Palhaços; 4º Intimidade; 5º Morte; 6º Rejeição.

A explicação, segundo o especialista, é que, quando estamos em uma pesquisa, ficamos muito preocupados com o julgamento que os entrevistadores fariam dos nossos medos. Confessamos apenas os mais comuns, que não demonstram nossa vulnerabilidade. Na internet é diferente. 'O anonimato que ela propicia nos possibilita a segurança de admitir coisas que normalmente não discutiríamos com mais ninguém', escreve Tancer. Respaldados pela tela, buscamos informações sobre nossas inseguranças ou gostos. 'À medida que seguirmos recorrendo às ferramentas de busca para responder nossas questões mais profundas, continuaremos aprendendo mais sobre nós mesmos.' E as estatísticas de busca farão cada vez mais um retrato da sociedade e de seus membros como eles são.

Dá para imaginar, portanto, o poder do Google, uma empresa que sabe bem o que você procura. Mais: com o YouTube e o Orkut, sabe o que você vê e com quem se relaciona. Tem ainda o Gmail, serviço de correio eletrônico que possui um sistema capaz de achar palavras-chave nas suas mensagens - e, assim, mostrar publicidade relacionada ao que você escreve. Outra ferramenta da empresa é o Google Docs, que permite arquivar e compartilhar documentos - e, em março, admitiu que arquivos de usuários vazaram na rede. 'Quando se trata da internet, nem quem controla as informações tem domínio das situações adversas que podem ocorrer. Por isso, todo cuidado é pouco na hora de cadastrar seus dados ou arquivá-los em HDs virtuais', diz José Milagre, especialista em segurança da informação.

BASTA DAR UM GOOGLE_
Quem acredita que está fora da onda de exposição na internet pode levar um susto. Danielle Schneider, 26, decidiu abandonar as redes sociais junto com o namorado. 'Saí pela falta de privacidade, por conta das pessoas que ficavam bisbilhotando as nossas páginas', diz ela. Meses depois, Rafael resolveu voltar para o Orkut e, no perfil que criou, colocou fotos com a Dani, deixando claro que está comprometido (antes, o casal se incomodava com recados - principalmente do sexo oposto - deixados nas páginas de um e do outro). 'Tirando algumas fotos minhas que estão na página dele, meus dados não estão mais online, não quero me abrir para as pessoas olharem minha vida', afirma Dani. Pois bem. Com uma simples pesquisa no Google, consegui encontrar onde ela trabalha, qual foi sua monografia para conclusão do curso de biomedicina na Unesp (Universidade Estadual Paulista), além de algumas fotos em sites de baladas. Hoje em dia é impossível escapar de ter algumas informações pessoais na web, ao alcance de alguns cliques do mouse. Mesmo que você não mantenha perfis ativos nas redes sociais, os contratos de uso que você aceita (quase sempre sem ler) quando se cadastra em uma comunidade virtual como o Facebook asseguram que os mantenedores do site têm direitos de arquivar suas informações, fotos e comentários. O mesmo funciona para os sites de compras ou qualquer outro cadastro que você faça na internet.

O compartilhamento e a exposição já são novos paradigmas da era em que vivemos. Ao criar seu perfil em uma rede social, você passa a ter contato direto com centenas de outras pessoas (e, indiretamente, com milhares) que se interessam em saber de sua vida. E isso faz de nós, usuários mortais, interessantes aos olhos alheios. Quem está no Twitter é para ser seguido; quem está no Orkut ou no Facebook é para ser visitado. Ou alguém entra ali para ser anônimo? Duvido! Nessa de buscar nosso lugar ao sol da internet, acabamos deixando a porta da nossa intimidade semiaberta (isso para não falar das pessoas que a deixam escancarada mesmo).

PORTA ABERTA
Mahira está cadastrada em várias redes sociais.

Essa foto aparece como resultado na
busca de imagens do Google.
É a imagem que ela usa no perfil do Twitter.
Mahira também mantém uma
página no Orkut...
...e outra no Facebook.

A psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, acredita que a grande maioria das pessoas não consegue resguardar totalmente a sua privacidade por ainda confundir o privado e o público na internet. 'Muitos usuários que colocam fotos e informações pessoais em suas páginas se esquecem de que outras pessoas, além dos amigos, visualizam o seu perfil. Isso gera uma autoexposição maior do que se gostaria', afirma.

Por mais que você só tenha amigos nos quais confia cegamente na página do Orkut, quem garante que um desses amigos não possa emprestar login e senha para outra pessoa entrar pelo seu perfil? E tenho lá minhas dúvidas se todos os amigos que alguém tem no Orkut são pessoas nas quais realmente confia e com as quais tenha uma relação próxima. Dos meus 560 amigos do Orkut ou cento e poucos do Facebook, menos de dez participam ativamente da minha vida. Muitos são apenas colegas - ou até versões online de pessoas que eu conheci um dia. 'O que você só mostraria para seus amigos mais íntimos não deveria estar na internet, pois todas as informações ali estão sob domínio público, por mais cautela que se tenha', diz Luciana, da PUC.

Não se trata de pintar as novidades da rede como responsáveis pelos tempos de superexposição. O problema, como sempre, não é a tecnologia, mas o uso que se faz dela. Barack Obama, por exemplo, soube aproveitar a 'conectividade' do Twitter para promover sua eleição para mais de 400 mil pessoas que o seguiam na web durante a campanha para a presidência dos Estados Unidos. É certo que a informação e a exposição podem ser usadas para o bem ou para o mal. De todo modo, prefiro continuar sem adicionar fotos no Orkut e mais amigos no Facebook e resistir (pelo menos por ora) aos encantos do Twitter. Se um dia eu resolver divulgar mais alguma página da minha vida na internet, pode deixar que eu aviso.

E ABERTA TAMBÉM
Danielle saiu do Orkut, mas continua na web.

O namorado incluiu uma foto com
ela em um álbum do Orkut
O nome dela está no site da
clínica onde trabalha
E em uma lista de seleção
para pós-graduação
Os dados da monografia dela
também estão online

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