Documentário traz de volta a saudosa TV Manchete - Confira o Teaser

domingo, 15 de novembro de 2009

Como vender uma mentira

Um documentarista revela os bastidores do comércio de fofocas que alimenta os tabloides sensacionalistas na Inglaterra, onde escândalos valem ouro

A indústria da fofoca na Inglaterra adora a cabeça quente de Amy Winehouse. Um flagra da cantora, seja saindo de casa drogada seja socando em um fã num show, sempre ajudou a vender jornal. Quando não têm um escândalo para mostrar, os tabloides recorrem a informações pouco confiáveis. E as publicam do mesmo jeito.

Foi assim que personalidade inflamável da cantora apareceu na capa do Daily Mirror, em março: “O drama do fogo no cabelo de Amy Winehouse”. Segundo a reportagem, a cantora recebia amigos em casa quando a faísca de uma caixa de força incendiou sua longa cabeleira. A história correu o mundo. Mas era mentira.

O “informante” do jornal era Chris Atkins, um documentarista inglês que havia dedicado seus dois últimos anos a estudar os bastidores dos tabloides, oferecer histórias falsas de famosos para jornalistas - e gravar tudo com câmera escondida. O drama incendiário de Winehouse era uma armadilha. Chris Atkins provara a falta de credibilidade da imprensa sensacionalista. “Fiz isso para as pessoas rirem das notícias ridículas e lamentarem a falta de responsabilidade dos tabloides”, diz.

Atkins reuniu todos os trotes no documentário Starsuckers, que acaba de estrear na Inglaterra. Sua estratégia era criar histórias com um mínimo de credibilidade e vendê-las aos jornais. Quatro tabloides cairam no golpe: The Sun, Daily Mirror, Daily Star e Daily Express. Nenhum deles exigiu alguma prova concreta ou foto dos relatos. “Nem telefonaram para os agentes dos artistas”, diz Atkins. As histórias que ele inventou e vendeu envolvem o cineasta Guy Ritchie, ex-marido de Madonna, a cantora Sarah Harding e outras celebridades de quem os ingleses gostam de ler a respeito.

Atkins também fingiu ser ex-namorado de uma funcionária de uma clínica estética disposta a compartilhar segredos em troca de dinheiro. Ele marcava encontros com jornalistas e gravava tudo com câmera escondida. Na clínica, que nunca existiu, o ator Hugh Grant teria feito uma lipoaspiração e a atriz Gemma Arterton planejado uma redução de estômago. Uma jornalista do News of the World disse que seu jornal pagaria até 80 mil libras (cerca de R$ 228 mil) caso aquilo rendesse uma polêmica duradoura. Um repórter do Sunday Mirror pediu que Atkins conseguisse documentos para provar a veracidade das cirurgias e consultas. O órgão regulador da imprensa britânica proíbe o comércio e a publicação de informações como o prontuário médico.

Depois da revelação da farsa de Atkins (que afirma não ter aceitado o dinheiro oferecido pelos jornais), o Ministério da Justiça britânico sugeriu uma nova legislação contra a invasão de privacidade. Processos contra tabloides são comuns na Inglaterra, mas a multa máxima de 5 mil libras estipulada pela lei atual contra o crime de tráfico de informação é ineficiente - o valor é irrisório comparado ao lucro dos jornais. O governo propôs uma pena de dois anos de prisão. Apesar da oposição dos meios de comunicação, haverá um debate sobre a mudança da lei.
Na Inglaterra, escândalos valem ouro. “O povo inglês gosta muito dos tabloides porque vê neles o retrato completo de sua sociedade, ainda que sem críticas”, diz Martin Conboy, autor do livro Tabloid Britain. O jornalismo popular é um sucesso na Inglaterra desde a década de 1860, quando o país já contava com 1.100 jornais. Para boa parte dessas publicações, a matéria-prima era e continua sendo a vida privada de pessoas famosas. A mania de bisbilhotar e especular virou um filão rentável da mídia - e não só na Inglaterra.

Recentemente, o apresentador de TV norte-americano David Letterman virou notícia por ter sido vítima de uma tentativa de extorsão. Sob a ameaça de revelar provas das relações sexuais de Letterman com mulheres que trabalharam em seu programa, o chantagista Robert Halderman teria exigido US$ 2 milhões. Letterman chamou a polícia. Halderman foi detido e pode pegar até 15 anos de prisão. Mas o apresentador foi obrigado a admitir que teve relações com funcionárias. Os fofoqueiros de celebridades que costumam mentir, neste caso, diziam a verdade.

Para provar que a veracidade de uma notícia se torna um mero detalhe quando sua audiência está garantida, o jornalista e cineasta brasileiro Ricardo Kauffman inventou um personagem para caçoar da mídia brasileira. Seu documentário O Abraço Corporativo, exibido durante a última Mostra de Cinema Internacional de São Paulo, narra a história de um suposto consultor de recursos humanos que procurava jornalistas para vender uma invenção: a terapia do abraço corporativo. O “consultor” Ary Itnem (o nome, lido ao contrário, parece a palavra mentira) dizia que abraçar colegas de trabalho podia resolver problemas de relacionamento dentro das corporações. Com a mentira, Ary participou até programas de televisão, deu entrevistas na rádio e teve matérias publicadas em diversos jornais e revistas brasileiros.





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