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sábado, 5 de dezembro de 2009

Remédio abortivo é vendido ilegalmente pela internet

G1 constata venda de Cytotec pelo correio, após conversa no MSN.
Medicamento é proibido no Brasil desde 1998.

Na segunda-feira da semana passada, 16 de novembro, o G1 entrou em contato por e-mail e por MSN com uma mulher, após encontrar no seu perfil no site de relacionamentos Orkut relatos de pessoas que compraram dela o Cytotec – um dos nomes comerciais do misoprostol, substância abortiva. Nas mensagens, adolescentes e mulheres jovens agradeciam pelo fornecimento do remédio.

O misoprostol serve para induzir o parto em mulheres com dificuldades para ter dilatação e para expulsar fetos presos no útero após abortos naturais. Desde 1998, a comercialização para o público em geral é proibida no Brasil – há permissão exclusivamente para uso hospitalar. Atualmente, uma única empresa brasileira detém autorização do governo federal para fabricar e comercializar o misoprostol.

A reportagem manteve contato por dois dias com uma pessoa que dizia vender o medicamento. O valor era de R$ 370 por quatro comprimidos de Cytotec e um de mifepristone, outro abortivo. Na quarta-feira, dia 18, o depósito foi realizado. No sábado, dia 21, o medicamento foi entregue pelo correio.

Em uma caixa plástica de CD vieram quatro comprimidos de Cytotec, fabricado pela indústria farmacêutica Pfizer, e um quinto que não pôde ser identificado – a palavra na embalagem recortada termina em "ida". É possível deduzir que é nacional, devido à inscrição "genérico".

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável pela fiscalização e regulação dos medicamentos no país, o governo tem conhecimento da irregularidade e atua para combater a fraude.

"O Cytotec entra geralmente pela fronteira seca do país, pelo Paraguai e pela Argentina. O Cytotec, nesses países, é de venda livre. No Brasil, foi proibido e passou a ser utilizado para fins abortivos. (...) Entram no país por contrabando, geralmente formiguinha", explica o chefe de inteligência da Anvisa, Adilson Batista Bezerra.

O chefe da Anvisa afirma que periodicamente a agência realiza operações, em parceria com a Polícia Federal, para combater o comércio ilegal de medicamentos pela internet. "Nós estamos atuando fortemente. Há investigações abertas atualmente para combater essas fraudes”, disse.

Após receber fotos dos comprimidos, Adilson Bezerra, da Anvisa, informou ao G1 que "com absoluta certeza" o medicamento adquirido pela reportagem é verdadeiro. "É um medicamento de baixo custo, e as falsificações que temos encontrado são de remédios de alto custo. É um produto barato em seus países de origem e que entram com baixo custo. Em mais de 59 operações, não apreendemos nenhum Cytotec falso, sempre Cytotec de verdade."

Nesta terça-feira (24), o G1 entregou os medicamentos que recebeu pelo Correio à Coordenação de Portos e Aeroportos da Anvisa, no centro de São Paulo. Os itens seriam encaminhados para o chefe de inteligência, em Brasília.

Vender ou distribuir medicamentos falsos ou sem registro na Anvisa é considerado crime contra a saúde pública, previsto no artigo 273 do Código Penal, e pode resultar em até 15 anos de prisão e multa.

Além de responder pela comercialização, tanto quem vende quanto quem faz aborto com o medicamento pode responder por aborto, qualificado como crime contra a vida nos artigos 124, 125 e 126 do Código Penal. A mulher que provoca aborto em si mesma pode ser condenada a até três anos de prisão. Provocar aborto em terceiro pode resultar em até quatro anos de prisão, mesmo com o consentimento da gestante.

A Anvisa informou que mantém parceria também com Correios e Receita Federal para coibir a distribuição e a venda de medicamentos ilegais.

Investigações

O delegado da Polícia Federal Carlos Eduardo Miguel Sobral, chefe da Unidade de Repressão a Crimes Cibernéticos, afirmou que a repressão à venda de medicamentos ilegais pela internet é "contínua".

"Recebemos constantemente notícias sobre venda de medicamentos na internet. A repressão é contínua . Estamos aprimorando nossa parceria com a Anvisa para melhorar o processo de recebimento e tratamento das denúncias, inclusive com o estudo de uma plataforma comum de trabalho à distancia. Precisa-se ganhar velocidade e extrair inteligência nos dados recebidos."

Sobral informa que a principal dificuldade para combater essas fraudes está na cooperação com as empresas de internet capazes de identificar quem vende o medicamento. "Diferentemente do mundo real, as informações não estão disponíveis aos policiais nas ruas, mas sim em sistemas de informações de empresas privadas e, dessa forma, dependemos da cooperação das empresas de comunicação para obter os dados mínimos que poderão nos levar ao criminoso. Entretanto, muitas vezes esses dados vêm com defeito ou mesmo não são informados."

O delegado avalia que, para evitar casos de venda de medicamento ilegal, é preciso que a sociedade denuncie. Ele diz que a Polícia Federal prepara um canal de comunicação online para receber denúncias de crimes pela internet.

O Google, responsável pela administração do Orkut – onde a reportagem encontrou propaganda do medicamento proibido, informou que não há uma equipe responsável por encontrar irregularidades no Orkut, mas sim um grupo que toma providências com base nas denúncias realizadas por meio dos perfis suspeitos. Se necessário, informou a empresa, as páginas irregulares são retiradas do ar.


Fabricante

A Pfizer, indústria responsável pela fabricação do medicamento Cytotec, comprado pela reportagem, informou ao G1 que, pelas imagens, não é possível saber se o medicamento é verdadeiro. "Para que um medicamento seja atestado como verdadeiro é necessária a realização de análises técnicas pelas entidades regulatórias do setor", afirma João Fittipaldi, diretor médico da Pfizer Brasil.

A indústria fabrica Cytotec nos Estados Unidos, Austrália, China, Itália, Colômbia e México, entre outros países. A companhia já comercializou o medicamento no Brasil, Chile, Panamá, Turquia e Argentina, informou a Pfizer. No Brasil, não há comercialização desde 2003 – a Pfizer vendia o produto somente para hospitais.

Segundo o diretor médico, "a Pfizer repudia qualquer forma ilegal de comercialização de medicamentos". "Mais do que um crime, é uma atividade que coloca em risco a saúde das pessoas e por isso deve ser contida com todos os esforços possíveis", afirmou João Fittipaldi.

Médicos condenam uso

Adilson Bezerra, da Anvisa, informa que os abortivos são "um problema de saúde pública" e que o uso sem supervisão médica pode levar à morte da gestante. "Além disso, tem a questão da qualidade do medicamento. Não se sabe como é transportado, armazenado, se foi exposto à contaminação. Pode causar até a morte de quem faz uso dele."

De acordo com a ginecologista Carolina Ambrogini, da Universidade Federal da São Paulo (Unifesp), o medicamento cujo princípio ativo é o misoprostol, como é o caso do Cytotec, pode causar uma hemorragia muito forte. "A pessoa aborta, sangra, tem descolamento da placenta de moderado a intenso. Se utilizar em ambiente que não é o hospitalar – e muitas vezes fazem isso escondido –, pode não ter como ser socorrida."

Carolina diz que são frequentes nos prontos-socorros casos de adolescentes e mulheres que passam mal após uso de abortivos.

A médica destaca ainda que o uso do medicamento nem sempre garante o aborto e pode provocar problemas no feto. "Não é em 100% dos casos que aborta e o feto pode nascer com alguma deficiência."

Para uso hospitalar, de acordo com a ginecologista Arlete Gianfaldoni, também da Unifesp, o medicamento é usado em doses baixas e com monitoramento dos sinais vitais da mãe.

"Quando eu prescrevo Cytotec para uma mulher que perdeu [naturalmente] um bebê e precisa expulsar [o feto], peço pelo menos dois ultrassons. Damos um comprimido a cada quatro ou cinco horas, para ir amolecendo o colo do útero aos poucos", afirma Arlete. “A dor é muito grande. Algumas mulheres precisam até ser anestesiadas”, explica a médica.

A dose oferecida pela vendedora no Orkut foi de um comprimido do abortivo mifepristone e de quatro de Cytotec – dois vaginais e dois orais, que, segundo a recomendação da “vendedora”, deveriam ser usados ao mesmo tempo. Segundo Arlete Gianfaldoni, a dose é “altíssima”. “É muito alta. É muito arriscado”, afirma.

Além da dor, os efeitos colaterais do Cytotec envolvem fortes náuseas, vômitos e a hemorragia. "Se a mulher tomar essa quantidade de comprimido, ela pode ter uma perda de sangue muito grande. Isso, longe de um hospital, pode ser fatal", diz Carolina Ambrogini.

Foto: G1

Uso do misoprostol sem supervisão médica pode levar à morte dos pacientes, segundo médicos

Contracepção

Segundo a médica Arlete Gianfaldoni, as mulheres que não querem ter filhos precisam estar atentas à contracepção. “É muito difícil que uma mulher que tome pílula anticoncepcional direitinho e use camisinha passe por um problema desses”, afirma. “Mesmo que a camisinha estoure, há a opção da pílula do dia seguinte, que não é abortiva e é legal”, orienta a médica.

Quem não tem condição de ir a um ginecologista particular, pode procurar um posto de saúde. Tanto para pedir um anticoncepcional tradicional quanto a contracepção de emergência. “O importante é pedir ajuda e buscar orientação, para que você não chegue a esse ponto”, afirma.

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